segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Sobre a Ação de Graças após a Comunhão!

A ação de graças após a Comunhão é, segundo São Pedro Julião Eymard, o momento mais solene da nossa vida, durante o qual temos à nossa disposição o Rei do Céu e da Terra, pronto a satisfazer todo e qualquer pedido.

Diácono Michel Six, EP.jpgDiácono Michel Six, EP 

Numa igreja de Roma, em fins do século XVI, o sacerdote termina de celebrar a Missa e sai apressadamente da sacristia. Anda pela rua a passos rápidos, impelido por importantes ocupações de seu ministério. Não sem grande surpresa, percebe que seus dois coroinhas, revestidos ainda de túnica e sobrepeliz o alcançam e se põem a seu lado, portando cada qual uma vela acesa... Os transeuntes abrem alas, com respeito, como para a passagem do Santíssimo Sacramento.
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O Papa emérito Bento XVI distribui a
Comunhão na Basílica de São
Pedro em 1/4/2010
- O que estão fazendo? - pergunta aos jovens.
- O padre Filipe nos mandou seguir o senhor!
O ministro de Deus logo compreende sua falta. Recolhido e contrito, retorna à igreja para fazer a ação de graças, sempre seguido pelos coroinhas com suas velas acesas, que indicavam a todos a presença da Sagrada Eucaristia...1
Deste modo inequívoco, com traços de amabilidade, o fundador da Congregação do Oratório, São Filipe Neri, procurava advertir seus padres da suma importância de fazer com respeitoso recolhimento a ação de graças após a Sagrada Comunhão.
Ora, o que o Santo florentino via e lamentava em sua época, vemo-lo também nós, mutatis mutandis, no século XXI: muitas vezes, até mesmo pessoas bem intencionadas descuram o período de ação de graças, não dando a devida importância às Sagradas Espécies que acabam de receber.

É o próprio Cristo que recebemos

Para melhor compreendermos a inefável graça que recebemos ao comungar, é imprescindível lembrarmos de que é o próprio Deus, em Corpo, Sangue, Alma e Divindade, que penetra no nosso interior. A Sagrada Hóstia que o sacerdote nos entrega em nada se diferencia das que adoramos no tabernáculo ou no ostensório. Por isso, alguns teólogos não hesitam em afirmar que poderíamos nos ajoelhar diante de quem acabou de comungar, como o fazemos diante do sacrário, uma vez que Deus está realmente presente tanto num quanto no outro.2
Recordando esta verdade, o Papa Bento XVI inicia sua Exortação Apostólica Pós-Sinodal Sacramentum Caritatis dizendo: "Sacramento da caridade, a Santíssima Eucaristia é a doação que Jesus Cristo faz de Si mesmo, revelando-nos o amor infinito de Deus por cada homem". 3 Mais adiante, no mesmo documento, nos aconselha que "não seja transcurado o tempo precioso de ação de graças depois da Comunhão", 4 e salienta a conveniência de permanecermos recolhidos em silêncio durante esta.
Na Última Ceia, Cristo declarou aos Apóstolos que havia desejado ardentemente dar-lhes seu Corpo e seu Sangue como alimento espiritual (cf. Lc 22, 15-20). Assim como Se deu a eles naquela ocasião, dá-Se a nós em cada Santa Missa, com uma vontade de visitar-nos maior do que o nosso desejo de recebê-Lo. Como, pois, não aproveitarmos esses instantes de intimidade nos quais temos Deus presente, de fato, em nosso coração?

"Tu te mudarás em Mim"

A palavra grega ε?χαριστ?α - Eucaristia - significa "ação de graças". Ao usar este termo, os cristãos evocamos o momento em que Nosso Senhor "rendeu graças" (Mt 26, 27) e instituiu este inefável Sacramento que contém em si o próprio Cristo, fonte de todas as graças.
"Deus é a vida de nossa alma, assim como nossa alma é a vida de nosso corpo".5 Poderá haver, então, melhor meio para um cristão obter as forças necessárias para suas lutas cotidianas do que participar da Sagrada Eucaristia, alimentando sua alma com a presença do próprio Deus?
Há, entretanto, uma importante diferença entre a nutrição física e a espiritual, muito bem sintetizada por um célebre teólogo dominicano francês: "a assimilação sobrenatural que resulta da nutrição Eucarística se faz, por assim dizer, em sentido inverso à assimilação natural, em virtude da lei que rege toda e qualquer transformação, pois esta deve se fazer de uma natureza inferior a uma natureza superior".6
Em outros termos, quando ingerimos um alimento natural, o incorporamos a nós, transformando sua substâncias em nossa própria carne. Contudo, quando recebemos a Sagrada Hóstia dá-se exatamente o contrário: somos assumidos por Cristo que é Deus, e, portanto, de natureza infinitamente mais nobre, elevada e superior à nossa.
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A palavra "Eucaristia" evoca o momento em que
Nosso Senhor, "dando graças", instituiu este
inefável Sacramento, que contém em si o
próprio Cristo, fonte de todas as graças

"A Última Ceia" - Retábulo da Capela
do Santíssimo Sacramento
Catedral do Espírito
Santo, Terrassa (Espanha) 
Ao comungar, somos, como que, "Cristificados". Por tal motivo, Santo Agostinho, em suas Confissões, figura o próprio Deus nos dizendo: "Sou manjar dos grandes: cresce e Me comerás. Nem tu Me mudarás em ti, como ao manjar de tua carne, senão que tu te mudarás em Mim".7

A Eucaristia fortalece a caridade e nos afasta do pecado

Se, conforme ensina o Catecismo da Igreja Católica, "receber a Eucaristia na Comunhão traz como fruto principal a união íntima com Cristo Jesus",8 não é esse o único efeito que ela produz em nós. O Sacramento Eucarístico, além de nos unir ao Corpo Místico de Cristo, que é a Igreja, separa do pecado quem o recebe, pois "a Eucaristia não pode unir-nos a Cristo sem purificar-nos ao mesmo tempo dos pecados cometidos e sem preservar-nos dos futuros".9
Com efeito, explica o Catecismo, assim "como o alimento corporal serve para restaurar a perda das forças, a Eucaristia fortalece a caridade que, na vida diária, tende a arrefecer; e esta caridade vivificada apaga os pecados veniais. Ao dar-Se a nós, Cristo reaviva nosso amor e nos torna capazes de romper as amarras desordenadas com as criaturas e de enraizar-nos n'Ele".10
Também, "pela mesma caridade que acende em nós, a Eucaristia nos preserva dos pecados mortais futuros. Quanto mais participarmos da vida de Cristo e quanto mais progredirmos em sua amizade, tanto mais difícil d'Ele separar-nos pelo pecado mortal".11

"Não vos esqueçais da visita régia de Jesus"

Ora, como proceder interiormente após termos recebido em nosso interior tão sublime dádiva? O que dizer ao Redentor que, enquanto não se desfazem as Sagradas Espécies, permanece à nossa disposição no nosso interior?
Famoso por sua piedade eucarística, São Pedro Julião Eymard12 nos aconselha, em seu Diretório para a ação de graças, a permanecermos um instante em quietude logo após recebermos a Sagrada Hóstia, adorando silenciosamente, e com a alma prostrada diante do Altíssimo, em sinal de escuta e atenção.
Passado esse primeiro período, aconselha ele aplicarmo-nos à ação de graças propriamente dita, que deve começar por um ato de adoração a Jesus no trono de nosso coração, oferecendo-Lhe, como sinal de absoluta submissão, as chaves de nossa morada interior, afirmando-nos verdadeiros servos d'Ele, em prontidão perpétua para agradar-Lhe em tudo.
Propõe São Pedro Julião que logo depois manifestemos nosso agradecimento a Jesus Sacramentado pela imensa e imerecida honra que nos faz com esta visita. "Convidai seus Anjos e Santos, bem como sua divina Mãe, para convosco louvarem, bendizerem e agradecerem a Jesus por vós. Uni-vos às ações de graças da Santíssima Virgem, tão amorosas,
tão perfeitas, e por elas agradecei".13
A seguir convém fazer um ato de contrição e reparação: "Chorai aos seus pés vossos pecados, qual outra Madalena. [...] Afirmai-Lhe vossa fidelidade e vosso amor; sacrificai-Lhe vossas afeições desregradas [...]. Implorai-Lhe a graça de nunca mais O ofender; protestai que preferis cem vezes a morte ao pecado".14
Feito isso, é chegado o momento da petição, durante o qual rogaremos a Jesus que nos obtenha tudo quanto necessitamos: que reine em nosso interior e no mundo inteiro; por nossas necessidades, por nossas famílias; pelo Papa, pelo nosso Bispo e nosso pároco; por toda a Santa Igreja, para que venham vocações sacerdotais e religiosas; pela evangelização; pelo nosso progresso na vida espiritual, pela santidade de vida, pelo aumento do fervor, pela conversão dos pecadores...
Não poupemos pedidos nem receemos incomodá-Lo, pois durante a ação de graças, afirma São Pedro Julião, "Jesus está disposto a vos dar seu próprio Reino; apraz-Lhe poder espalhar seus benefícios".15
E, durante o dia, conclui o Santo, "sede qual vaso cheio de um precioso perfume, qual santo que passou uma hora no Céu. Não vos esqueçais da visita régia de Jesus".16

A Eucaristia e Maria Santíssima

Há ainda outra piedosa forma de nos dirigirmos a Jesus, durante a ação de graças: fazê-la por meio de sua Mãe Santíssima, a Virgem Maria. Tendo recebido o Verbo em seu seio, Ela nos oferece um modelo acabado de ação de graças. "Adorar a Jesus no vosso coração unindo-vos a Ela é o melhor modo de Lhe fazer uma recepção agradável, boa e rica em graças",17 aconselha o fundador dos Sacramentinos.
Nesse sentido, recordou o Beato João Paulo II que: "Se quisermos redescobrir em toda a sua riqueza a relação íntima entre a Igreja e a Eucaristia, não podemos esquecer Maria, Mãe e modelo da Igreja. [...] Maria está presente, com a Igreja e como Mãe da Igreja, em cada uma das Celebrações Eucarísticas. Se Igreja e Eucaristia são um binômio indivisível, o mesmo é preciso afirmar do binômio Maria e Eucaristia".18
Esta íntima união de Nossa Senhora com o Sacramento da Eucaristia encantava o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, consagrado a Nossa Senhora segundo o método de São Luís Maria Grignion de Montfort. Profundo conhecedor do espírito humano, reconhecia ele que, não estando nós à altura de condignamente receber a Jesus, precisamos de uma ponte que nos leve com segurança a este Rei que entra em nossa humilde morada. E esta ponte é precisamente o que temos em comum com este Rei: a mesma Mãe, Maria Santíssima, que nos trouxe o Salvador.
Esta Mãe - d'Ele e nossa -, que dentre as meras criaturas é a mais excelsa, desfaz-Se em compaixão até pelo filho mais débil, torto e desarranjado. Portanto, é normal que façamos através d'Ela os atos próprios à ação de graças.19 Assim sendo, figurava ele nossa alma como sendo uma cabana na qual vai entrar o Rei dos Céus, a qual "pode ser ordenada e enfeitada por Nossa Senhora, para que esteja agradável a Ele. E, como a intercessora é a própria Mãe d'Ele, Nosso Senhor Se sentirá comprazido".20 

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Assim "como o alimento corporal serve para restaurar a perda das forças, a Eucaristia fortalece
a caridade que, na vida diária, tende a arrefecer; e esta caridade vivificada
apaga os pecados veniais"
Sacerdotes concelebrantes comungam do cálice durante uma Missa na Basílica
de Nossa Senhora do Rosário, 20/7/2013

Tendo bem presente que a Virgem Maria Se une a nós na Eucaristia apenas espiritualmente, e não em presença real, como ocorre com seu Divino Filho, Dr. Plinio nos aconselha que, após a adoração, peçamos a Ela que nos ajude a agradecer a dádiva de termos recebido o nosso Salvador: "Mãe e Rainha do Céu, agradecei por mim, porque a minha ação de graças é insuficiente".21
É ainda pelas mãos da Virgem Santíssima que podemos pedir perdão pelos nossos pecados, fazer nossas petições e súplicas, como ele nos exemplifica: "Devo pedir coisas para mim, para aqueles que estimo e até pelos que não conheço. Antes de tudo, rogo-Vos que em todo cargo da Sagrada Hierarquia eclesiástica - desde o sólio de São Pedro até uma simples paróquia - haja fervorosos apóstolos de Maria, ardorosos escravos d'Ela segundo o método de São Luís Maria Grignion de Montfort, em toda a força do termo".22

Às vezes a ação de graças é árida...

No início do seu mencionado Diretório para a ação de graças, São Pedro Julião Eymard23 apresenta uma dificuldade que a todos pode assaltar: a insensibilidade ao recebermos Jesus. A respeito da aridez, dificuldade muito comum na vida espiritual, Dr. Plinio lembra: "Haverá também ocasiões em que nossas comunhões [...] serão áridas. Assim como a terra árida não produz fruto, temos, muitas vezes, a impressão da aridez em nossa alma: comungamos e não sentimos nada. Reza-se e pede-se, mas tem-se a sensação de que nossas súplicas foram meros termos piedosos sem nenhuma profundidade".24
Isso, porém, não nos deve afastar do Santíssimo Sacramento, pois a Comunhão não é "a busca de um egoísmo espiritual, nem a satisfação de uma sensualidade mais ou menos mística. É o cumprimento de um duplo dever: dever para com o Hóspede Divino da Comunhão, que merece certamente que O apreciemos e n'Ele nos comprazamos, e dever para com a alma, cuja obrigação é reconfortar-se santamente com as delícias apresentadas nessa mesa tão ricamente provida pelo Rei
do Céu".25
O Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, de sua parte, analisando o problema por um prisma diferente, faz uma analogia com o doente que toma um remédio cientificamente testado e comprovado por sua eficácia, e que, dez minutos após a ingestão, não sente melhora alguma. Seria lícito protestar pela inutilidade do medicamento? De modo algum. Seus efeitos se verificarão no decurso dos dias, ou mesmo dos anos, dependendo do tratamento.
Algo semelhante se passa com a Comunhão: "Muitas vezes comungamos, mas a ação de graças é árida; abrimos um livro de piedade, mas ele não nos inspira nada; temos a impressão de que não adiantou rezar. Ora, Deus visitou minha alma, mas a presença d'Ele foi inútil? Aquele que é Todo-Poderoso, Criador do Céu a da Terra, de todas as maravilhas, esteve presente em mim, e não me fez um bem sequer? Devemos ter presente que, não raras vezes, a Comunhão inteiramente árida traz, em si, mais vantagens para a alma do que aquela que nos dá consolações inúmeras. [...] Pois muitas vezes Ele nos prova a fim de verificar se somos daquela espécie de almas que só creem quando sentem: ‘Tomé, tu creste porque viste; bem-aventurados os que não viram, mas creram!'".26

O melhor momento de pedir

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"Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento" -
Igreja Nossa Senhora do Santíssimo
Sacramento, Montreal (Canadá)
Sem dúvida, adverte ainda São Pedro Julião Eymard: "O momento mais solene da vossa vida é o da ação de graças, quando tendes à vossa disposição o Rei do Céu e da Terra, vosso Salvador e Juiz, pronto a satisfazer todo e qualquer pedido vosso".27
Desta maneira, com a devida preparação, acerquemo-nos tanto quanto possível do Santíssimo Sacramento, e, no instante em que Jesus Se der a nós e nos disser, como ao cego de Jericó: "Que queres que te faça?" (Mc 10, 51a; Lc 18, 41), saibamos responder-Lhe: "Mestre, que eu veja" (Mc 10, 51b). Assim, nossa ação de graças se fará dignamente de acordo com o incomensurável dom recebido. Afinal, "é possível ficar enfermo, quando um Deus oferece a cura de todos os males; e indigente, quando Ele põe à disposição os inesgotáveis
tesouros de seu poder e de sua incompreensível caridade?".28

Modo de fazer ação de graças segundo São Luís Maria Grignion de Montfort
"Sempre por Maria e em Maria"

Depois da Santa Comunhão, estando interiormente recolhido, com os olhos fechados, introduzirás Jesus Cristo no Coração de Maria. Tu O darás à sua Mãe, que O receberá amorosamente, O instalará honorificamente, O adorará profundamente, O amará perfeitamente, O abraçará com amor e Lhe tributará, em espírito e verdade, várias homenagens que nos são desconhecidas, a nós, envoltos nessas densas trevas.
Ou então, conservar-te-ás profundamente humilhado no teu coração, na presença de Jesus residindo em Maria. Ou conservar-te-ás como um escravo à porta do palácio do Rei, onde Ele está falando com a Rainha. E, enquanto Eles falam, sem precisar de ti, irás em espírito ao Céu e pela Terra inteira pedir a todas as criaturas que agradeçam, adorem e amem Jesus em Maria, por ti. "Vinde, adoremos, vinde!" (Sl 94, 6).
Ou então tu mesmo pedirás a Jesus, em união com Maria, a vinda do seu Reino sobre a Terra, por intermédio de sua Santa Mãe. Ou pedirás a sabedoria divina, ou o amor divino ou o perdão dos teus pecados, ou qualquer outra graça, mas sempre por Maria e em Maria. [...]
Há uma infinidade de pensamentos que o Espírito Santo fornece; e te fornecerá, se fores interior, mortificado e fiel a esta grande e sublime devoção que acabo de te ensinar. Mas recorda-te de que quanto mais deixares agir Maria na tua Comunhão, mais Jesus será glorificado. E deixarás agir tanto mais Maria por Jesus e Jesus em Maria, quanto mais profundamente te humilhares e os escutares em paz e silêncio, sem procurar ver, gostar ou sentir. Pois o justo vive, em tudo, da fé, e particularmente na Sagrada Comunhão, que é um ato de fé: "O meu justo viverá da fé!" (Hb 10, 38). Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem - Suplemento, n.3.


Santa Mãe de Deus, rogai por nós!

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