DOUTRINA SOCIAL E COMPROMISSO DOS CRISTÃOS LEIGOS
a) O cristão leigo
A conotação essencial dos cristãos leigos, fiéis operários da vinha do Senhor (cf. Mt 20,1-16), é a índole secular de sua seqüela de Cristo, que se realiza propriamente no mundo: «aos leigos compete, por vocação própria, buscar o Reino de Deus ocupando-se das coisas temporais e ordenando-as segundo Deus ». Com o Batismo os leigos são inseridos em Cristo, tornam-se partícipes de Sua vida e da Sua missão segundo a sua peculiar identidade: «Por leigos entende-se aqui todos os fiéis, com exceção daqueles que receberam uma ordem sacra ou abraçaram o estado religioso aprovado pela Igreja, isto é, os fiéis que — por haverem sido incorporados em Cristo pelo Batismo e constituídos em Povo de Deus, e por participarem a seu modo do múnus sacerdotal, profético e real de Cristo — realizam na Igreja e no mundo, na parte que lhes compete, a missão de todo o povo cristão».
A identidade do cristão leigo nasce e se alimenta dos sacramentos: do Batismo, da Crisma e da Eucaristia. O Batismo conforma a Cristo, Filho do Pai, primogênito de toda a criatura, enviado como Mestre e Redentor a todos os homens. A Crisma ou Confirmação configura a Cristo, enviado para vivificar a criação e cada ser com a efusão do Seu Espírito. A Eucaristia torna o fiel partícipe do único e perfeito sacrifício que Cristo ofereceu ao Pai, na própria carne, para a salvação do mundo.
O fiel leigo é discípulo de Cristo a partir dos sacramentos e em força destes, em virtude de tudo quando Deus operou nele imprimindo-lhe a própria imagem do Seu Filho, Jesus Cristo. Deste dom divino de graça, e não de concessões humanas, nasce o tríplice «munus» (dom e dever), que qualifica o leigo como profeta, sacerdote e rei, segundo a sua índole secular.
É tarefa própria do fiel leigo anunciar o Evangelho com um exemplar testemunho de vida, radicada em Cristo e vivida nas realidades temporais: família; compromisso profissional no âmbito do trabalho, da cultura, da ciência e da pesquisa; exercício das responsabilidades sociais, econômicas, políticas. Todas as realidades humanas seculares, pessoais e sociais, ambientes e situações históricas, estruturas e instituições, são o lugar próprio do viver e do agir dos cristãos leigos. Estas realidades são destinatárias do amor de Deus; o empenhamento dos fiéis leigos deve corresponder a esta visão e qualificar-se como expressão da caridade evangélica: « o estar e o agir no mundo são para os fiéis leigos uma realidade, não só antropológica e sociológica, mas também e especificamente teológica e eclesial ».
b) A espiritualidade do cristão leigo
Os fiéis leigos são chamados a cultivar uma autêntica espiritualidade laical, que lhes regenerem como homens e mulheres novos, imersos no mistério de Deus e inseridos na sociedade, santos e santificadores. Uma semelhante espiritualidade edifica o mundo segundo o Espírito de Jesus: torna capaz de olhar para além da história, sem dela se afastar; de cultivar um amor apaixonado por Deus, sem tirar o olhar dos irmãos, que se conseguem ver como os vê o Senhor e amar como Ele os ama. É uma espiritualidade que foge tanto do espiritualismo intimista como do ativismo social e sabe exprimir-se em uma síntese vital que confere unidade, significado e esperança à existência, por tantas e várias razões, contraditória e fragmentada. Animados por semelhante espiritualidade, os fiéis leigos podem contribuir, «do interior, à maneira de fermento, para a santificação do mundo, através do cumprimento do próprio dever, guiados pelo espírito evangélico, e a manifestarem Cristo aos outros antes de mais com o testemunho da vida».
Na experiência do crente, de fato, «não pode haver ... duas vidas paralelas: por um lado, a vida chamada “espiritual”, com os seus valores e exigências; e, por outro, a chamada vida “secular”, ou seja, a vida da família, do trabalho, das relações sociais, do empenhamento político e da cultura».
c) Agir com prudência
O fiel leigo deve agir segundo as exigências ditadas pela prudência: é esta a virtude que dispõem a discernir em cada circunstância o verdadeiro bem e a escolher os meios adequados para cumpri-lo. Graças a esta se aplicam corretamente os princípios morais aos casos particulares. A prudência se articula em três momentos: clarifica a situação e a avaliação, inspira a decisão e dá impulso à ação. O primeiro momento é qualificado pela reflexão e pela consulta para estudar o argumento requerendo o necessário parecer; o segundo é o momento de avaliação da análise e do juízo sobre a realidade à luz do projeto de Deus; o terceiro momento, aquele da decisão, se baseia sobre os falsos precedentes e que tornam possíveis o discernimento das ações a serem realizadas.
A prudência torna capaz de tomar decisões coerentes, com realismo e senso de responsabilidade em relação às conseqüências das próprias ações. A visão assaz difusa que identifica a prudência com a astúcia, o cálculo utilitarista, a desconfiança, ou ainda com a covardia e indecisão, está muito longe da reta concepção desta virtude, própria da razão prática, que ajuda a decidir com sensatez e coragem as atitudes a serem tomadas, tornando-se medida das outras virtudes. A prudência afirma o bem como dever e mostra o modo como a pessoa se determina a cumpri-la. A prudência é, ao fim e ao cabo, uma virtude que exige o exercício maduro do pensamento e da responsabilidade, no conhecimento objetivo da situação e na reta vontade que guia as decisões.
d) Doutrina social e experiência associativa
A doutrina social da Igreja deve entrar, como parte integrante, no caminho formativo do fiel leigo. A experiência demonstra que o trabalho de formação é possível, normalmente, no interior das agregações laicais eclesiais, que respondem a precisos critérios de eclesialidade: «Também os grupos, as associações e os movimentos têm o seu lugar na formação dos fiéis leigos: têm, com efeito, a possibilidade, cada qual pelos próprios métodos, de oferecer uma formação profundamente inserida na própria experiência de vida apostólica, bem como a oportunidade de integrar, concretizar e especificar a formação que os seus adeptos recebem de outras pessoas e comunidades». A doutrina social da Igreja apóia e ilumina o papel das associações, dos movimentos e dos grupos laicos empenhados em vivificar de modo cristão os vários setores da ordem temporal: «A comunhão eclesial, já presente e operante na ação do indivíduo, encontra uma expressão específica no operar associado dos fiéis leigos, isto é, na ação solidária que eles desenvolvem ao participar responsavelmente na vida e na missão da Igreja».
A doutrina social da Igreja é importantíssima para as agregações eclesiais que têm como objetivo de seu esforço a ação pastoral no âmbito social. Estas constituem um ponto de referência privilegiado enquanto atuam na vida social em conformidade à sua fisionomia eclesial e demonstram deste modo, quanto seja relevante o valor da oração, da reflexão e do diálogo para enfrentar as realidades sociais e para melhorá-las. Vale, em cada caso, a distinção «entre aquilo que os cristãos, individualmente ou em grupo, fazem em seu nome, como cidadãos levados pela consciência cristã, e aquilo que, em união com os seus pastores, fazem em nome da Igreja».
e) O serviço nos diversos âmbitos da vida social
A presença do fiel leigo no campo social é caracterizada pelo serviço, sinal e expressão da caridade que se manifesta na vida familiar, cultural, profissional, econômica, política, segundo perfis específicos: obtemperando às diversas exigências de seu particular âmbito de atuação, os fiéis leigos exprimem a verdade de sua fé e, ao mesmo tempo, a verdade da doutrina social da Igreja, que encontra a sua plena realização quando é vivida em termos concretos para a solução dos problemas sociais. A mesma credibilidade da doutrina social reside de fato no testemunho das obras, antes mesmo que na sua coerência e lógica interna.
1. O serviço à pessoa humana
Entre os âmbitos do empenho social dos fiéis leigos, vem à tona antes de tudo o serviço à pessoa humana: a promoção da dignidade de toda pessoa, o bem mais precioso que o homem possui, é a tarefa essencial, antes, em certo sentido é «a tarefa central e unificadorado serviço que a Igreja, e nela os fiéis leigos, são chamados a prestar à família dos homens».
A promoção da dignidade humana implica, antes de tudo, a afirmação do direito inviolável à vida, desde a concepção até à morte natural, primeiro entre todos e condição para todos os outros direitos da pessoa. O respeito da dignidade pessoal exige, ademais, o reconhecimento da dimensão religiosa do homem, que não é «uma exigência meramente “confessional”, mas sim, de uma exigência que mergulha a sua raiz inextirpável na própria realidade do homem ». O reconhecimento efetivo do direito à liberdade de consciência e à liberdade religiosa é um dos bens mais altos e dos deveres mais graves de cada povo que queira verdadeiramente assegurar o bem da pessoa e da sociedade. No atual contexto cultural, assume singular urgência o empenho a defender o matrimônio e a família, que pode ser absolvido adequadamente só na convicção do valor único e insubstituível destas realidades em vista do autêntico progresso da convivência humana.
2. O serviço à cultura
A cultura deve constituir um campo privilegiado de presença e empenho pela Igreja e pelos cristãos individuais. O destaque entre a fé cristã e a vida cotidiana é julgado pelo Concílio Vaticano II como um dos erros mais graves do nosso tempo. O extravio do horizonte metafísico; a perda da nostalgia de Deus no narcisismo auto-referencial e na fartura de meios de um estilo de vida consumista; o primado conferido à tecnologia e à pesquisa científica fim em si mesma; a ênfase ao aparente, da busca da imagem, das técnicas de comunicação: todos estes fenômenos devem ser compreendidos em seu aspecto cultural e colocados em relação com o tema central da pessoa humana, do seu crescimento integral, da sua capacidade de comunicação e de relação com os outros homens, do seu contínuo interrogar-se sobre grandes questões que circundam a existência. Tenha-se presente que «a cultura é aquilo pelo que o homem se torna mais homem, “é” mais, aproxima-se mais do “ser”».
Apresentar em termos culturais atualizados o patrimônio da Tradição Católica, os seus valores, os seus conteúdos, toda o patrimônio espiritual, intelectual e moral do catolicismo é também hoje a urgência prioritária. A fé em Jesus Cristo, que se definiu a Si próprio «o caminho, a verdade e a vida» (Jo 14, 6), leva os cristãos a comprometer-se com empenho sempre renovado na construção de cultura social e política inspirada no Evangelho.
A perfeição integral da pessoa e o bem de toda a sociedade são os fins essenciais e o bem de toda a sociedade são os fins essenciais da cultura: a dimensão ética da cultura é portanto uma prioridade na ação social e política dos fiéis leigos. A desatenção a tal dimensão transforma facilmente a cultura em um instrumento de empobrecimento da humanidade. Uma cultura pode tornar-se estéril e encaminhar-se para a decadência, quando «se fecha em si própria e procura perpetuar formas antiquadas de vida, recusando qualquer mudança e confronto com a verdade do homem». A formação de uma cultura capaz de enriquecer o homem exige, ao contrário, o envolvimento de toda a pessoa, que nela desenvolve a sua criatividade, a sua inteligência, o seu conhecimento do mundo e dos homens, e investe, ademais, a sua capacidade autodomínio, de sacrifício pessoal, de solidariedade e de disponibilidade a promover o bem comum.
3. O serviço à economia
Diante da complexidade do contexto econômico contemporâneo, o fiel leigo se deixará guiar em sua ação pelos princípios do Magistério social. É necessário que ditos princípios sejam conhecidos e acolhidos na atividade econômica mesma: quando estes princípios são ignorados, em primeiro lugar o da centralidade da pessoa humana, a própria qualidade da atividade econômica fica comprometida.
O empenho do cristão traduzir-se-á também no esforço de reflexão cultural voltada sobretudo para um discernimento concernente aos atuais modelos de desenvolvimento econômico-social. A redução da questão do desenvolvimento a um problema exclusivamente técnico produziria um esvaziamento de seu verdadeiro conteúdo que, na verdade, diz respeito à « dignidade do homem e dos povos».
4. O serviço à política
Para os fiéis leigos, o compromisso político é uma expressão qualificada e exigente do compromisso cristão ao serviço dos outros. A persecução do bem comum em um espírito de serviço; o desenvolvimento da justiça com uma atenção particular para com as situações de pobreza e sofrimento; o respeito pela autonomia das realidades terrenas; o princípio de subsidiariedade; a promoção do diálogo e da paz no horizonte da solidariedade; são estas as orientações que os cristãos leigos devem inspirar a sua ação política. Todos os crentes, enquanto titulares de direitos e deveres de cidadãos, estão obrigados a respeitar tais orientações; aqueles que têm encargos diretos e institucionais na gestão das complexas problemáticas da coisa pública, seja nas administrações locais, seja nas instituições nacionais e internacionais, deverão tê-los especialmente em conta.
Os encargos de responsabilidade nas instituições sociais e políticas exigem um empenho severo e articulado, que saiba pôr de manifesto, com os contributos de reflexão ao debate político, com o planejamento e com as opções operativas, a absoluta necessidade de uma qualificação moral da vida social e política. Uma atenção inadequada à dimensão moral da vida social e política. Uma atenção inadequada em relação a dimensão moral conduz à desumanização da vida associada e das instituições sociais e políticas, consolidando as «estruturas de pecado»: «Viver e agir politicamente em conformidade com a própria consciência não significa acomodar-se passivamente em posições estranhas ao empenho político ou numa espécie de confessionalismo; é, invés, a expressão com que os cristãos dão o seu coerente contributo para que, através da política, se instaure um ordenamento social mais justo e coerente com a dignidade da pessoa humana».
No contexto do compromisso político do fiel leigo, exige um preciso cuidado a preparação ao exercício do poder, que os crentes devem assumir; especialmente quando são chamados a tais encargos pela confiança dos cidadãos, segundo as regras democráticas. Estes devem apreciar o sistema da democracia, «enquanto assegura a participação dos cidadãos nas opções políticas e garante aos governados a possibilidade quer de escolher e controlar os próprios governantes, quer de os substituir pacificamente, quando tal se torne oportuno» e rejeitar grupos ocultos de poder que pretendem condicionar ou subverter o funcionamento das legítimas instituições. O exercício da autoridade deve assumir o caráter de serviço, que se deve desempenhar sempre no âmbito das leis morais para a consecução do bem comum: quem exerce a autoridade política deve fazer confluir as energias de todos os cidadãos rumo a tal objetivo, não de modo autoritário, mas valendo-se da força moral alimentada pela liberdade.
O empenho político dos católicos é freqüentemente posto em relação com a «laicidade», ou seja, a distinção entre a esfera política e a religiosa. Tal distinção «é um valor adquirido e reconhecido pela Igreja, e faz parte do património de civilização já conseguido». A doutrina moral católica, todavia, exclui claramente a perspectiva de uma laicida concebida como autonomia da lei moral: «A “laicidade”, de fato, significa, em primeiro lugar, a atitude de quem respeita as verdades resultantes do conhecimento natural que se tem do homem que vive em sociedade, mesmo que essas verdades sejam contemporaneamente ensinadas por uma religião específica, pois a verdade é uma só». Buscar sinceramente a verdade, promover e defender com meios lícitos as verdades morais concernentes à vida social ― a justiça, a liberdade, o respeito à vida e aos demais direitos da pessoa ― é direito e dever de todos os membros de uma comunidade social e política.
Quando o Magistério da Igreja se pronuncia sobre questões inerentes à vida social e política, não desatende ás exigências de uma correta interpretação da laicidade, porque «não pretende exercer um poder político nem eliminar a liberdade de opinião dos católicos em questões contingentes. Entende, invés ― como é sua função própria ― instruir e iluminar a consciência dos fiéis, sobretudo dos que se dedicam a uma participação na vida política, para que o seu operar esteja sempre ao serviço da promoção integral da pessoa e do bem comum. O ensinamento social da Igreja não é uma intromissão no governo de cada País. Não há dúvida, porém, que põe um dever moral de coerência aos fiéis leigos, no interior da sua consciência, que é única e unitária».
O princípio da laicidade comporta o respeito de toda confissão religiosa por parte do Estado, «que assegura o livre exercício das atividades cultuais, espirituais, culturais e caritativas das comunidades dos crentes. Numa sociedade pluralista, a laicidade é um lugar de comunicação entre as diferentes tradições espirituais e a nação».
Um âmbito particular de discernimento dos fiéis leigos diz respeito as escolhas dos instrumentos políticos, ou seja, a adesão a um partido e às outras expressões da participação política. É preciso operar uma escolha coerente com os valores, tendo em conta as circunstâncias efetivas. Em todo o caso, qualquer escolha deve ser radicada na caridade e voltada para a busca do bem comum. As instâncias da fé cristã dificilmente são assimiláveis a uma única posição política: pretender que um partido ou uma corrente política correspondam completamente às exigências da fé e da vida cristã gera equívocos perigosos. O cristão não pode encontrar um partido plenamente às exigências éticas que nascem da fé e da pertença à Igreja: a sua adesão a uma corrente política não será jamais ideológica, mas sempre crítica, a fim de que o partido e o seu projeto político sejam estimulados a realizar formas sempre mais atentas a obter o verdadeiro bem comum, inclusive os fins espirituais do homem.
A distinção, de um lado, entre instâncias da fé e opções sócio-políticas e, de outro lado, as opções de cada cristão e as realizadas pela comunidade cristã enquanto tal, implica que a adesão a um partido ou corrente política seja considerada uma decisão a título pessoal, legítima ao menos nos limites dos partidos e posições não incompatíveis com a fé e os valores cristãos. A escolha do partido, da corrente política, das pessoas a quem confiar a vida pública, mesmo empenhando a consciência de cada um, não pode ser entendida como uma escolha exclusivamente individual: «cabe analisar, com objetividade, a situação própria do seu país e procurar iluminá-la, com a luz das palavras inalteráveis do Evangelho; a elas cumpre, haurir princípios de reflexão, normas para julgar e diretrizes para a ação, na doutrina social da Igreja». Em todo o caso, «a ninguém é permitido reivindicar exclusivamente, em favor do seu parecer, a autoridade da Igreja»: os crentes devem antes procurar «esclarecer-se mutuamente num diálogo sincero, guardando a caridade mútua e tendo, antes de mais, o cuidado do bem comum ».
Jesus, Maria e José,
Nossa Família Vossa É!
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