A
ação de graças após a Comunhão é, segundo São Pedro Julião Eymard, o
momento mais solene da nossa vida, durante o qual temos à nossa
disposição o Rei do Céu e da Terra, pronto a satisfazer todo e qualquer
pedido.
Diácono Michel Six, EP
Numa igreja de Roma, em fins do século
XVI, o sacerdote termina de celebrar a Missa e sai apressadamente da
sacristia. Anda pela rua a passos rápidos, impelido por importantes
ocupações de seu ministério. Não sem grande surpresa, percebe que seus
dois coroinhas, revestidos ainda de túnica e sobrepeliz o alcançam e se
põem a seu lado, portando cada qual uma vela acesa... Os transeuntes
abrem alas, com respeito, como para a passagem do Santíssimo Sacramento.
|
O Papa emérito Bento XVI distribui a Comunhão na Basílica de São Pedro em 1/4/2010 |
- O que estão fazendo? - pergunta aos jovens.
- O padre Filipe nos mandou seguir o senhor!
O ministro de Deus logo compreende sua
falta. Recolhido e contrito, retorna à igreja para fazer a ação de
graças, sempre seguido pelos coroinhas com suas velas acesas, que
indicavam a todos a presença da Sagrada Eucaristia...1
Deste modo inequívoco, com traços de
amabilidade, o fundador da Congregação do Oratório, São Filipe Neri,
procurava advertir seus padres da suma importância de fazer com
respeitoso recolhimento a ação de graças após a Sagrada Comunhão.
Ora, o que o Santo florentino via e
lamentava em sua época, vemo-lo também nós, mutatis mutandis, no século
XXI: muitas vezes, até mesmo pessoas bem intencionadas descuram o
período de ação de graças, não dando a devida importância às Sagradas
Espécies que acabam de receber.
É o próprio Cristo que recebemos
Para melhor compreendermos a inefável
graça que recebemos ao comungar, é imprescindível lembrarmos de que é o
próprio Deus, em Corpo, Sangue, Alma e Divindade, que penetra no nosso
interior. A Sagrada Hóstia que o sacerdote nos entrega em nada se
diferencia das que adoramos no tabernáculo ou no ostensório. Por isso,
alguns teólogos não hesitam em afirmar que poderíamos nos ajoelhar
diante de quem acabou de comungar, como o fazemos diante do sacrário,
uma vez que Deus está realmente presente tanto num quanto no outro.2
Recordando esta verdade, o Papa Bento
XVI inicia sua Exortação Apostólica Pós-Sinodal Sacramentum Caritatis
dizendo: "Sacramento da caridade, a Santíssima Eucaristia é a doação que
Jesus Cristo faz de Si mesmo, revelando-nos o amor infinito de Deus por
cada homem". 3 Mais adiante, no mesmo documento, nos aconselha que
"não seja transcurado o tempo precioso de ação de graças depois da
Comunhão", 4 e salienta a conveniência de permanecermos recolhidos em
silêncio durante esta.
Na Última Ceia, Cristo declarou aos
Apóstolos que havia desejado ardentemente dar-lhes seu Corpo e seu
Sangue como alimento espiritual (cf. Lc 22, 15-20). Assim como Se deu a
eles naquela ocasião, dá-Se a nós em cada Santa Missa, com uma vontade
de visitar-nos maior do que o nosso desejo de recebê-Lo. Como, pois, não
aproveitarmos esses instantes de intimidade nos quais temos Deus
presente, de fato, em nosso coração?
"Tu te mudarás em Mim"
A palavra grega ε?χαριστ?α - Eucaristia -
significa "ação de graças". Ao usar este termo, os cristãos evocamos o
momento em que Nosso Senhor "rendeu graças" (Mt 26, 27) e instituiu este
inefável Sacramento que contém em si o próprio Cristo, fonte de todas
as graças.
"Deus é a vida de nossa alma, assim como
nossa alma é a vida de nosso corpo".5 Poderá haver, então, melhor meio
para um cristão obter as forças necessárias para suas lutas cotidianas
do que participar da Sagrada Eucaristia, alimentando sua alma com a
presença do próprio Deus?
Há, entretanto, uma importante diferença
entre a nutrição física e a espiritual, muito bem sintetizada por um
célebre teólogo dominicano francês: "a assimilação sobrenatural que
resulta da nutrição Eucarística se faz, por assim dizer, em sentido
inverso à assimilação natural, em virtude da lei que rege toda e
qualquer transformação, pois esta deve se fazer de uma natureza inferior
a uma natureza superior".6
Em outros termos, quando ingerimos um
alimento natural, o incorporamos a nós, transformando sua substâncias em
nossa própria carne. Contudo, quando recebemos a Sagrada Hóstia dá-se
exatamente o contrário: somos assumidos por Cristo que é Deus, e,
portanto, de natureza infinitamente mais nobre, elevada e superior à
nossa.
|
A palavra "Eucaristia" evoca o momento em que Nosso Senhor, "dando graças", instituiu este inefável Sacramento, que contém em si o próprio Cristo, fonte de todas as graças
"A Última Ceia" - Retábulo da Capela do Santíssimo Sacramento Catedral do Espírito Santo, Terrassa (Espanha) |
Ao comungar, somos, como que,
"Cristificados". Por tal motivo, Santo Agostinho, em suas Confissões,
figura o próprio Deus nos dizendo: "Sou manjar dos grandes: cresce e Me
comerás. Nem tu Me mudarás em ti, como ao manjar de tua carne, senão que
tu te mudarás em Mim".7
A Eucaristia fortalece a caridade e nos afasta do pecado
Se, conforme ensina o Catecismo da
Igreja Católica, "receber a Eucaristia na Comunhão traz como fruto
principal a união íntima com Cristo Jesus",8 não é esse o único efeito
que ela produz em nós. O Sacramento Eucarístico, além de nos unir ao
Corpo Místico de Cristo, que é a Igreja, separa do pecado quem o recebe,
pois "a Eucaristia não pode unir-nos a Cristo sem purificar-nos ao
mesmo tempo dos pecados cometidos e sem preservar-nos dos futuros".9
Com efeito, explica o Catecismo, assim
"como o alimento corporal serve para restaurar a perda das forças, a
Eucaristia fortalece a caridade que, na vida diária, tende a arrefecer; e
esta caridade vivificada apaga os pecados veniais. Ao dar-Se a nós,
Cristo reaviva nosso amor e nos torna capazes de romper as amarras
desordenadas com as criaturas e de enraizar-nos n'Ele".10
Também, "pela mesma caridade que acende
em nós, a Eucaristia nos preserva dos pecados mortais futuros. Quanto
mais participarmos da vida de Cristo e quanto mais progredirmos em sua
amizade, tanto mais difícil d'Ele separar-nos pelo pecado mortal".11
"Não vos esqueçais da visita régia de Jesus"
Ora, como proceder interiormente após
termos recebido em nosso interior tão sublime dádiva? O que dizer ao
Redentor que, enquanto não se desfazem as Sagradas Espécies, permanece à
nossa disposição no nosso interior?
Famoso por sua piedade eucarística, São
Pedro Julião Eymard12 nos aconselha, em seu Diretório para a ação de
graças, a permanecermos um instante em quietude logo após recebermos a
Sagrada Hóstia, adorando silenciosamente, e com a alma prostrada diante
do Altíssimo, em sinal de escuta e atenção.
Passado esse primeiro período, aconselha
ele aplicarmo-nos à ação de graças propriamente dita, que deve começar
por um ato de adoração a Jesus no trono de nosso coração,
oferecendo-Lhe, como sinal de absoluta submissão, as chaves de nossa
morada interior, afirmando-nos verdadeiros servos d'Ele, em prontidão
perpétua para agradar-Lhe em tudo.
Propõe São Pedro Julião que logo depois
manifestemos nosso agradecimento a Jesus Sacramentado pela imensa e
imerecida honra que nos faz com esta visita. "Convidai seus Anjos e
Santos, bem como sua divina Mãe, para convosco louvarem, bendizerem e
agradecerem a Jesus por vós. Uni-vos às ações de graças da Santíssima
Virgem, tão amorosas,
tão perfeitas, e por elas agradecei".13
A seguir convém fazer um ato de
contrição e reparação: "Chorai aos seus pés vossos pecados, qual outra
Madalena. [...] Afirmai-Lhe vossa fidelidade e vosso amor;
sacrificai-Lhe vossas afeições desregradas [...]. Implorai-Lhe a graça
de nunca mais O ofender; protestai que preferis cem vezes a morte ao
pecado".14
Feito isso, é chegado o momento da
petição, durante o qual rogaremos a Jesus que nos obtenha tudo quanto
necessitamos: que reine em nosso interior e no mundo inteiro; por nossas
necessidades, por nossas famílias; pelo Papa, pelo nosso Bispo e nosso
pároco; por toda a Santa Igreja, para que venham vocações sacerdotais e
religiosas; pela evangelização; pelo nosso progresso na vida espiritual,
pela santidade de vida, pelo aumento do fervor, pela conversão dos
pecadores...
Não poupemos pedidos nem receemos
incomodá-Lo, pois durante a ação de graças, afirma São Pedro Julião,
"Jesus está disposto a vos dar seu próprio Reino; apraz-Lhe poder
espalhar seus benefícios".15
E, durante o dia, conclui o Santo, "sede
qual vaso cheio de um precioso perfume, qual santo que passou uma hora
no Céu. Não vos esqueçais da visita régia de Jesus".16
A Eucaristia e Maria Santíssima
Há ainda outra piedosa forma de nos
dirigirmos a Jesus, durante a ação de graças: fazê-la por meio de sua
Mãe Santíssima, a Virgem Maria. Tendo recebido o Verbo em seu seio, Ela
nos oferece um modelo acabado de ação de graças. "Adorar a Jesus no
vosso coração unindo-vos a Ela é o melhor modo de Lhe fazer uma recepção
agradável, boa e rica em graças",17 aconselha o fundador dos
Sacramentinos.
Nesse sentido, recordou o Beato João
Paulo II que: "Se quisermos redescobrir em toda a sua riqueza a relação
íntima entre a Igreja e a Eucaristia, não podemos esquecer Maria, Mãe e
modelo da Igreja. [...] Maria está presente, com a Igreja e como Mãe da
Igreja, em cada uma das Celebrações Eucarísticas. Se Igreja e
Eucaristia são um binômio indivisível, o mesmo é preciso afirmar do
binômio Maria e Eucaristia".18
Esta íntima união de Nossa Senhora com o
Sacramento da Eucaristia encantava o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira,
consagrado a Nossa Senhora segundo o método de São Luís Maria Grignion
de Montfort. Profundo conhecedor do espírito humano, reconhecia ele que,
não estando nós à altura de condignamente receber a Jesus, precisamos
de uma ponte que nos leve com segurança a este Rei que entra em
nossa humilde morada. E esta ponte é precisamente o que temos em
comum com este Rei: a mesma Mãe, Maria Santíssima, que nos trouxe o
Salvador.
Esta Mãe - d'Ele e nossa -, que dentre
as meras criaturas é a mais excelsa, desfaz-Se em compaixão até pelo
filho mais débil, torto e desarranjado. Portanto, é normal que façamos
através d'Ela os atos próprios à ação de graças.19 Assim sendo, figurava
ele nossa alma como sendo uma cabana na qual vai entrar o Rei dos Céus,
a qual "pode ser ordenada e enfeitada por Nossa Senhora, para que
esteja agradável a Ele. E, como a intercessora é a própria Mãe d'Ele,
Nosso Senhor Se sentirá comprazido".20
|
Assim "como o alimento corporal serve para restaurar a perda das forças, a Eucaristia fortalece a caridade que, na vida diária, tende a arrefecer; e esta caridade vivificada apaga os pecados veniais"
Sacerdotes concelebrantes comungam do cálice durante uma Missa na Basílica de Nossa Senhora do Rosário, 20/7/2013
|
Tendo bem presente que a Virgem Maria Se une a nós na Eucaristia apenas
espiritualmente, e não em presença real, como ocorre com seu Divino
Filho, Dr. Plinio nos aconselha que, após a adoração, peçamos a Ela que
nos ajude a agradecer a dádiva de termos recebido o nosso Salvador: "Mãe
e Rainha do Céu, agradecei por mim, porque a minha ação de graças é
insuficiente".21
É ainda pelas mãos da Virgem Santíssima
que podemos pedir perdão pelos nossos pecados, fazer nossas petições e
súplicas, como ele nos exemplifica: "Devo pedir coisas para mim, para
aqueles que estimo e até pelos que não conheço. Antes de tudo, rogo-Vos
que em todo cargo da Sagrada Hierarquia eclesiástica - desde o sólio de
São Pedro até uma simples paróquia - haja fervorosos apóstolos de Maria,
ardorosos escravos d'Ela segundo o método de São Luís Maria Grignion de
Montfort, em toda a força do termo".22
Às vezes a ação de graças é árida...
No início do seu mencionado Diretório
para a ação de graças, São Pedro Julião Eymard23 apresenta uma
dificuldade que a todos pode assaltar: a insensibilidade ao recebermos
Jesus. A respeito da aridez, dificuldade muito comum na vida espiritual,
Dr. Plinio lembra: "Haverá também ocasiões em que nossas comunhões
[...] serão áridas. Assim como a terra árida não produz fruto, temos,
muitas vezes, a impressão da aridez em nossa alma: comungamos e não
sentimos nada. Reza-se e pede-se, mas tem-se a sensação de que nossas
súplicas foram meros termos piedosos sem nenhuma profundidade".24
Isso, porém, não nos deve afastar do
Santíssimo Sacramento, pois a Comunhão não é "a busca de um egoísmo
espiritual, nem a satisfação de uma sensualidade mais ou menos mística. É
o cumprimento de um duplo dever: dever para com o Hóspede Divino da
Comunhão, que merece certamente que O apreciemos e n'Ele nos
comprazamos, e dever para com a alma, cuja obrigação é reconfortar-se
santamente com as delícias apresentadas nessa mesa tão ricamente provida
pelo Rei
do Céu".25
O Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, de
sua parte, analisando o problema por um prisma diferente, faz uma
analogia com o doente que toma um remédio cientificamente testado e
comprovado por sua eficácia, e que, dez minutos após a ingestão, não
sente melhora alguma. Seria lícito protestar pela inutilidade do
medicamento? De modo algum. Seus efeitos se verificarão no decurso dos
dias, ou mesmo dos anos, dependendo do tratamento.
Algo semelhante se passa com a Comunhão:
"Muitas vezes comungamos, mas a ação de graças é árida; abrimos um
livro de piedade, mas ele não nos inspira nada; temos a impressão de que
não adiantou rezar. Ora, Deus visitou minha alma, mas a presença d'Ele
foi inútil? Aquele que é Todo-Poderoso, Criador do Céu a da Terra, de
todas as maravilhas, esteve presente em mim, e não me fez um bem
sequer? Devemos ter presente que, não raras vezes, a Comunhão
inteiramente árida traz, em si, mais vantagens para a alma do que aquela
que nos dá consolações inúmeras. [...] Pois muitas vezes Ele nos prova
a fim de verificar se somos daquela espécie de almas que só creem quando
sentem: ‘Tomé, tu creste porque viste; bem-aventurados os que não
viram, mas creram!'".26
O melhor momento de pedir
|
"Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento" - Igreja Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento, Montreal (Canadá) |
Sem dúvida, adverte ainda São Pedro Julião Eymard: "O momento mais
solene da vossa vida é o da ação de graças, quando tendes à vossa
disposição o Rei do Céu e da Terra, vosso Salvador e Juiz, pronto a
satisfazer todo e qualquer pedido vosso".27
Desta maneira, com a devida preparação,
acerquemo-nos tanto quanto possível do Santíssimo Sacramento, e, no
instante em que Jesus Se der a nós e nos disser, como ao cego de Jericó:
"Que queres que te faça?" (Mc 10, 51a; Lc 18, 41), saibamos
responder-Lhe: "Mestre, que eu veja" (Mc 10, 51b). Assim, nossa ação de
graças se fará dignamente de acordo com o incomensurável dom recebido.
Afinal, "é possível ficar enfermo, quando um Deus oferece a cura de
todos os males; e indigente, quando Ele põe à disposição os inesgotáveis
tesouros de seu poder e de sua incompreensível caridade?".28
Modo de fazer ação de graças segundo São Luís Maria Grignion de Montfort
"Sempre por Maria e em Maria"
Depois da Santa Comunhão, estando
interiormente recolhido, com os olhos fechados, introduzirás Jesus
Cristo no Coração de Maria. Tu O darás à sua Mãe, que O receberá
amorosamente, O instalará honorificamente, O adorará profundamente, O
amará perfeitamente, O abraçará com amor e Lhe tributará, em espírito e
verdade, várias homenagens que nos são desconhecidas, a nós, envoltos
nessas densas trevas.
Ou então, conservar-te-ás profundamente
humilhado no teu coração, na presença de Jesus residindo em Maria. Ou
conservar-te-ás como um escravo à porta do palácio do Rei, onde Ele está
falando com a Rainha. E, enquanto Eles falam, sem precisar de ti, irás
em espírito ao Céu e pela Terra inteira pedir a todas as criaturas que
agradeçam, adorem e amem Jesus em Maria, por ti. "Vinde, adoremos,
vinde!" (Sl 94, 6).
Ou então tu mesmo pedirás a Jesus, em
união com Maria, a vinda do seu Reino sobre a Terra, por intermédio de
sua Santa Mãe. Ou pedirás a sabedoria divina, ou o amor divino ou o
perdão dos teus pecados, ou qualquer outra graça, mas sempre por Maria e
em Maria. [...]
Há uma infinidade de pensamentos que o
Espírito Santo fornece; e te fornecerá, se fores interior, mortificado e
fiel a esta grande e sublime devoção que acabo de te ensinar. Mas
recorda-te de que quanto mais deixares agir Maria na tua Comunhão, mais
Jesus será glorificado. E deixarás agir tanto mais Maria por Jesus e
Jesus em Maria, quanto mais profundamente te humilhares e os escutares
em paz e silêncio, sem procurar ver, gostar ou sentir. Pois o justo
vive, em tudo, da fé, e particularmente na Sagrada Comunhão, que é um
ato de fé: "O meu justo viverá da fé!" (Hb 10, 38). Tratado da
Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem - Suplemento, n.3.
Santa Mãe de Deus, rogai por nós!