Cada vez mais mulheres, e mais novas, estão a assumir os cabelos brancos. Saiba porquê.
Cada vez mais mulheres, e mais novas, estão
a assumir os cabelos brancos. Porque gostam da cor e porque é
libertador. E aquele preconceito que os associa a charme nos homens e a
velhice nas mulheres já não convence. Não acredita? Então conheça
estas mulheres dos 30 aos 70 anos.
Tenho 42 anos e uma decisão importante para tomar: pinto ou
não pinto o cabelo? Já o fiz, há uns anos, quando me fartei do meu
natural castanho-claro e me senti tentada a usar outras cores. Já os
tive pretos luzidios, acobreados e até ruivos. Depois larguei a tinta e
dei-me bem com a opção. Há mais de um ano que não ponho nada e nem
pensaria pôr se não fossem os cabelos brancos que começam timidamente a
povoar o meu território capilar. Tenho um modo rápido e eficaz de dar
cabo deles: arranco-os, porque ainda é só um aqui, outro acolá. Mas
quando forem 50, 100, 500, não mais poderei arrancar o mal pela raiz.
Que fazer? Voltar a ir uma vez por mês ao cabeleireiro e deixar lá uma
pipa de massa? Podia comprar a tinta no supermercado e aplicar em casa,
mas o resultado seria o mesmo? Deixá-los brancos é uma hipótese a
considerar, mas tenho receio de parecer mais velha. Consumida por este
dilema, comecei a reparar que à minha volta, na rua, no metro, nos
cafés, nas fotos do Facebook e no local de trabalho não faltam mulheres
bonitas, com pinta e até mais novas do que eu, sem problemas em
assumi-los. Será que também elas deram voltas e mais voltas à cabeça
antes de os deixarem instalar-se? Nada melhor do que perguntar a quem de
direito, a mulheres de cabelo branco entre os 36 e os 74 anos.
A primeira chutou-me logo para canto, como quem grita «mas
que raio de pergunta é essa?». No entanto, o sentido de cooperação com
uma colega de profissão puxaram uma resposta mais suave, mas igualmente
desconcertante: «Porque é que havia de pintá-lo?», questionou-me Diana
Andringa, jornalista reformada, antiga presidente da direção do
Sindicato de Jornalistas e investigadora do Centro de Estudos Sociais da
Universidade de Coimbra (CES). «De facto, porquê?», pensei. Quando se
«poupa tempo e dinheiro» em tintas e cabeleireiro, além de «se ser como
se é», haverá razão para disfarçar o que a natureza nos impõe? Diana
reforça a sua posição contrapondo com outra pergunta: «E há algum aspeto
positivo em pintá-lo?»
Os primeiros brancos apareceram-lhe por volta dos 15 anos e
já eram bem visíveis aos 24. No início, «quando eram maioritariamente
castanhos, usava hena». Deixou de aplicar o produto quando os brancos
eram mais do que os castanhos e o efeito da hena se perdeu, dando ao
cabelo um tom laranja. Uma vez, ainda cedeu à sugestão da amiga e
cabeleireira Odete Cordeiro, que a convenceu a experimentar outro
produto. Diana usou-o e não gostou, por isso decidiu deixá-los como são,
brancos. Desde que os assumiu, nada a demoveu. Nem quando lhe deram um
bilhete de terceira idade num museu, antes de ter direito a ele. E nem o
facto de ter trabalhado tantos anos na televisão, onde a pressão sobre
as mulheres para manterem a eterna juventude é mais acentuada do que
nos homens, a convenceu. Na verdade, Diana foi sempre indiferente à
estranheza que algumas pessoas da RTP manifestaram quando resolveu
adotar os cabelos brancos. E não estava sozinha nesta «luta» pessoal:
como ela, outras profissionais do meio televisivo não tinham
constrangimentos em exibir um belo cabelo alvo: «A Maria João Seixas
apresentava um programa e também o tinha branco.» Mas essa assunção era
tão rara nas mulheres que «algumas até foram entrevistadas num programa
apresentado, salvo erro, pela Clara Ferreira Alves».
Em termos de cuidados, a investigadora não faz mais do que
lavá-los quase todos os dias e usar, de vez em quando, um champô
adequado para cabelos brancos. O corte curto que já é a sua imagem de
marca há vários anos é «muito prático», mas a verdade é que também lhe
dá um visual moderno e isso, na opinião dos especialistas em cabelos,
faz toda a diferença.
Há 35 anos a pentear e a tratar cabelos de mulheres e
homens, com passagem pelo chamado Triângulo da Moda norte-americana –
Nova Iorque, São Francisco e Miami –, o cabeleireiro Ulisses acha que
«o cabelo branco nas mulheres tem um grande impacte, mas, sem o devido
tratamento, o impacte pode ser negativo. Depende do corte e da atitude
que a pessoa adota». Para Ulisses, o corte deve ser contemporâneo e
adequado a cada rosto, para não acrescentar anos de vida às mulheres.
Os cabelos grisalhos da advogada e formadora Ana Machado
Dias, 45 anos, do Porto, são a prova da eficácia dos conselhos de
Ulisses. «Faço cortes modernos e tratamentos com bons produtos para que
não fiquem amarelos.» Esse é outro cuidado que os cabelos brancos
exigem. No mercado não faltam champôs e cremes para «cortar o aspeto
oxidado, amarelado», explica o cabeleireiro.
Dona de um farto grisalho pelos ombros, Ana não pode estar
mais orgulhosa da sua imagem. «Gosto muito e não me imagino de outra
forma.» Não se imagina agora. Quando era estudante universitária,
deixou-se levar pela moda da hena «para ficar com um tom acobreado».
Mais tarde, voltou a ceder: «Fui aconselhada por uma aluna a fazer
madeixas loiras. Fiz e fiquei péssima. As madeixas não tinham nada que
ver comigo.» Nunca mais pensou pintar. Pressões, esta advogada e mãe de
três filhos só voltou a senti-las em casa, da parte do filho mais novo,
de 8 anos: «Diz que pareço uma velhinha e sugere que vá com ele ao
cabeleireiro para o pintar.»
Será para fintar o aspeto envelhecido precoce que tantas
mulheres pintam o cabelo assim que os brancos querem reinar? Ana não
arrisca uma resposta, mas faz notar que é a única do seu círculo de
amigas mais próximas a usar o cabelho grisalho. À falta de estatísticas
que fundamentem teorias, recorro à experiência de mais de trinta anos do
cabeleireiro Paulo Vieira: «Há cada vez mais mulheres, e mais jovens, a
assumir os cabelos brancos, mas a maioria pinta. Das minhas clientes,
só vinte por cento têm o cabelo no tom natural e algumas acho que não
vão aguentar, porque a pressão nas mulheres continua a ser enorme. Quase
é proibido envelhecer. Não se pode ter rugas, celulite, cabelos brancos
ou raízes brancas, o que é preocupante. Há muita pressão.» Em todo o
caso, Paulo Vieira concorda que há brancos e brancos e nem em toda a
gente ficam bem. Os de Ana costumam atrair a atenção de outras
mulheres, que não se cansam de lhe gabar os cabelos grisalhos.
O mesmo espanto nos outros provoca o cabelo da empregada
de escritório Lúcia Carulo. Aos 60 anos, esta alentejana de Beja costuma
ser confrontada com a dúvida, que muitas vezes roça a desconfiança, de
amigos, vizinhos e de desconhecidos. «Muitas pessoas perguntam-me qual é
a cor que uso e quando digo que não uso nada as pessoas não
acreditam.» E até os entendidos em cabelos às vezes se iludem: «Uma
vez, uma cabeleireira disse-me que pensou que o meu cabelo era pintado.
Ficou admirada, porque nunca tinha visto uma cor natural como a minha.»
Outras pessoas, menos incrédulas, abordam-na na rua só para lhe dizerem
que «se tivessem o cabelo tão bonito também deixariam de
pintar». Embora não sejam os elogios que a fazem manter o branco, Lúcia
admite que é agradável recebê-los, porque só reforçam a decisão que
tomou há dez anos: «Numa das idas ao salão para cobrir as raízes,
reparei que estavam mais brancas do que o habitual e achei que o
branco era muito bonito.» Dessa vez e nas vezes seguintes, em vez de
fazer madeixas, passou a cortar apenas as pontas.
As razões por que estas mulheres assumem os cabelos brancos
são meramente estéticas, mas todas reconhecem que a maior vantagem em
não pintar é a sensação de liberdade. Ir ao cabeleireiro duas vezes por
mês para cobrir as raízes não é rotina que as aprisiona. Se tivesse de o
fazer, a designer de interiores Maria de Carvalho, de 36 anos, não se
sentiria tão feliz. Para ela, que não tem paciência para andar sempre em
salões, cabelos brancos é liberdade sim e é por esse motivo que nunca
tentou escondê-los. Por essa razão e por gostar do que vê quando se olha
ao espelho: «Como tenho a pele morena, o branco dos cabelos faz um
contraste invulgar que me agrada. Uso-o assim porque gosto da cor, não é
para agradar ninguém.» As reações negativas dos outros nunca a
influenciaram, muito menos num dos dias mais importantes da sua vida:
«Quando casei já tinha o cabelo branco e isso parecia estranho numa
noiva jovem, mas não liguei porque, mais do que em qualquer outro dia,
no dia do meu casamento eu queria sentir-me bem, queria ser eu.»
Manter a cor natural do cabelo é uma questão de identidade
para as mulheres que enjeitam as tintas mas, por ser ainda pouco
frequente nas mulheres jovens, há quem não resista a interpelá-las.
Conta Maria: «Uma vez, uma funcionária de uma loja disse-me a medo:
“Senhora, desculpe-me a intromissão, queria só dizer-lhe que acho o seu
cabelo lindo.” Outra senhora, com uns 50 anos, virou-se para mim num
supermercado: “Nós somos mesmo giras, ficamos bem com o cabelo assim e
não somos como as outras que não assumem os cabelos que têm”.» E há
pessoas que nada dizem por palavras mas dizem tudo pelo olhar e pela
expressão do rosto: «Olham para mim indignadas, como se dissessem
“Credo, como é capaz? Como se atreve?”.»
Quando se coloca o próprio bem-estar acima de todos os
comentários, a opinião dos outros pouco ou nada importa. É assim que se
posiciona na vida a arquiteta paisagista Alcide Gonçalves, que diz
obedecer a um critério que é quase um decreto: «Sentir-me bem comigo.»
Sentir-se bem é não ter que se sujeitar à obrigatoriedade de uma
manutenção frequente. «Desde sempre me desagradou a ideia de ter de ir
ao cabeleireiro uma vez por mês. Implica certos custos e não tenho
paciência. E também acho inestético um cabelo pintado desbotado ou com
as raízes à mostra.»
Faz-lhe tanta impressão o aspeto artificial das tintas que
não hesitou em parar de vez com as nuances, ainda que estas fossem da
cor-base do seu cabelo, castanho-claro: «Quando as nuances começaram a
ganhar mais espaço do que deviam, não gostei. Parecia que tinha o
cabelo pintado sem ter.» Isto, há seis anos. Desde então, assumiu os
matizes naturais que lhe começaram a despontar aos 27 anos e hoje, aos
45, nem quer ouvir falar de outras possibilidades. «É muito estranho
imaginar-me com uma cor que não seja a minha. É estranho ao ponto de ter
reagido mal quando, no meu cabeleireiro, me sugeriram pintá-lo de
louro.»
Quem também exibe com orgulho os seus cabelos brancos é a
ex-jornalista e tradutora de inglês Maria João Aguiar. Mas nem sempre
foi assim. Os primeiros brancos surgiram-lhe depois dos 40 e, durante
bastante tempo, tentou prolongar o castanho total disfarçando a nova cor
com rinçages colorantes. À medida que o branco se tornava predominante,
Maria João preparou a transição para o natural. E se hoje, aos 74
anos, tem um cabelo de fazer «inveja a algumas contemporâneas que não
têm a coragem de dar o mesmo passo», lembra que nem sempre foi fácil
deixá-lo branquear: «Tive uns meses exasperantes, em que o cabelo
parecia mal cuidado. Entristecia-me bastante. Até passei a ir mais vezes
ao cabeleireiro para ter um aspeto menos desleixado. Esse período foi
tão difícil que não tenho coragem de o confessar às minhas amigas para
não as desmotivar. Elas dizem que se conseguissem ficar com o cabelo
assim numa semana fariam o mesmo.»
Maria João também quis evitar falar-lhes da tendência para
ficarem amarelos. «Este é o único problema. Existem champôs que cortam
essa tonalidade, mas no verão, com o sol, é impossível o amarelo não dar
o ar da sua (des)graça.»
Os aspetos mais positivos de se assumir os cabelos brancos podem ser diferentes para cada uma das mulheres, mas há um que é comum a todas elas – conviver bem com a inevitabilidade do envelhecimento, independentemente da idade que têm e da idade que aparentam. No caso de Maria João, a aceitação está também alicerçada num marido que aceitou a ideia tão naturalmente quanto ela: «Acho que devo ao meu marido o ter feito a transição de uma forma tão tranquila. Ele também está todo branquinho, barba e tudo.»
Foi também sem sobressaltos que Ana Câncio, reformada da
banca, deixou de fazer madeixas para uniformizar o tom grisalho que
começou a evidenciar-se quando tinha 30 anos. «Aceito bem as minhas
“menos -valias” físicas, convivo bem com o que sou, e os cabelos
brancos fazem parte.» Assumir o cabelo grisalho na idade em que o fez,
aos 40, pressupunha aceitar a ideia de um envelhecimento precoce, mas
também uma outra, «a de que somos todos diferentes e o meu cabelo
grisalho podia ser uma diferença positiva». Tão positiva que não
concebe «mudar de castanho caju para ameixa qualquer coisa e daí para
louro californiano». Mais: agora que os cabelos brancos se adequam mais à
idade que tem, 56, Ana acha que se sentiria «ridícula» e a trair as
suas convicções se o pintasse.
Com estes argumentos, quase me sinto tentada a dizer que
tenho o dilema resolvido, não fosse aquele paradigma chato e injusto
que associa os cabelos grisalhos num homem a sedução e charme, e numa
mulher a velhice ou desleixo. Mas talvez Ana tenha razão quando diz que o
paradigma está a mudar, não sendo tão marcado como há vinte ou trinta
anos. «Eles hoje já pintam os cabelos brancos e elas começam, cada vez
mais, a ter a coragem de os assumir. De resto, aquilo que pensam de nós é
muitas vezes só o espelho da nossa autoimagem, não é?»
Carla Amaro
Fotografia:
Gerardo Santos/Global Imagens Produção: Fernanda Brito Maquilhagem:
Marta Cruz e Fernanda Brito com produtos Clarins. Cabelos por Beto para
Secret Look.
Fonte: Magazine