Assumir os cabelos brancos expõe o corpo tal como é, encarando o
que nos está a acontecer a todos: envelhecer. Falámos com mulheres que
tomaram essa decisão e não querem voltar atrás.
Nos últimos anos afirmou-se várias vezes que o cinzento é o novo
preto. Os mais de 50 tons de cinzento estão na moda não só na roupa, mas
também no cabelo. Rihanna, Cara Delevingne ou Lady Gaga adotaram a
certa altura os cabelos brancos. Pela internet, a hashtag
#grannyhair revela milhares de mulheres jovens que descoloraram ou
pintaram o cabelos de branco, sem que isso tenha feito delas avozinhas.
É
um paradoxo fácil de perceber que os únicos cabelos brancos que não
estão na moda sejam os naturais, aqueles que aparecem com a idade (ou
não), os que não se escolhem como e onde devem aparecer: o ideal é a
juventude e, em alguns casos, o cabelo é o primeiro a lembrar-nos que o
tempo continua a correr, o futuro e a velhice são inevitáveis. “E
então?”, perguntam as quatro mulheres que se seguem, entre os 45 e os 64
anos. Todas elas assumem os seus cabelos brancos de olhos fixos no
inegável cronómetro e desafiadores para a sociedade. Não são invisíveis, como diz o mito das mulheres de cabelos grisalhos; pelo contrário, toda a gente repara nelas.
Mantêm o cabelo assim porque é bonito, porque não têm tempo ou dinheiro
para a manutenção de um cabelo bem pintado, porque querem levantar o
queixo e dizer que estão presentes como são, sem pedirem desculpas. Para
todas foi uma escolha que lhes libertou a cabeça de quaisquer pressões e
que nos permitiu falar do que é estético, político e da velhice.
Luísa Falcão, 45 anos, professora de matemática
Quando teve os primeiros cabelos brancos?
Com 14 anos. Era só um ou outro, nada de especial. Começou por
aqui [duas madeixas à frente] todo por igual, mesclado. Normalmente
aparece uma madeixa aqui, outra ali, e fica feio. A mim não, foi todo
por igual, tive sorte. Vou-lhe dizer: se não fosse assim, provavelmente
pintaria o cabelo.
Não conhecíamos a entrevistada e poderíamos
desencontrar-nos, mas ela deu-nos um conselho precioso e óbvio: “Quando
chegarem, sou a única de cabelo todo branco”. Luísa Falcão fala sempre
com um enorme sorriso do cabelo que nunca foi um problema, embora
reconheça que é preciso personalidade e alguma coragem para o usar.
Nenhum antecedente na família fazia prever que teria a cabeça
imaculadamente branca e apenas os cabelos junto à nuca escuros.
O facto de aparecerem aos 14 anos incomodou-a?
Não porque se falava no assunto com graça. Depois passei por várias fases: lá para os 20 pintei, fiz madeixas, fiz tudo.
Por causa dos cabelos brancos?
Não, coisas da idade. E quando engravidei da minha primeira filha [aos 26 anos] nunca mais pintei.
Porquê?
Já tinha alguns brancos e percebi que se fosse por esse caminho
tinha de pintar de 15 em 15 dias. Tendo uma filha já era complicado ter
tempo para tratar de mim e ir de 15 em 15 dias ao cabeleireiro não era
mesmo aquilo que eu queria. Era morena, tinha o cabelo preto azeviche,
muito escuro mesmo. Mas nunca me custou… Quer dizer, não é bem assim.
Quando casei pintei o cabelo, por exemplo. Mas depois comecei a achar
graça porque é alvo de comentários, as pessoas vêm ter comigo na rua e
perguntam-me o que faço ao cabelo. No início achava um bocado estranho,
mas respondia sempre que não faço nada, que é natural. Agora já sei que
quando alguém vem ter comigo e me diz “posso fazer-lhe uma pergunta?”,
respondo logo “é meu, é natural, não pinto”. No estrangeiro então
acontece muitas, muitas vezes. No cabeleireiro também me acontece.
Dizem: “quero umas madeixas iguais às daquela senhora”.
"Agora já sei que quando alguém vem ter comigo e me diz
'posso fazer-lhe uma pergunta?', respondo logo 'é meu, é natural, não
pinto'.
Luísa Falcão
As pessoas são sempre elogiosas?
Nunca ninguém me falou negativamente do cabelo. Quer dizer, os
meus filhos andavam na escola, tinham três ou quatro anos, e os colegas
diziam-lhes que vinha a avó buscá-los. É um grande contraste e por isso
também me acontecem coisas engraçadas, por exemplo, passar por uma
criancinha e ela ver-me de costas e depois olhar para a minha cara e
ficar a olhar, porque acha que há ali alguma coisa que não joga bem:
cabelos brancos com um ar jovem, sem rugas. Por isso, acho que enquanto
os miúdos forem tendo esta reação acho que é bom.
Os alunos reagem ao seu cabelo?
Impõe algum respeito, é bom [risos]. Agora já não tanto, porque já sou mais velha, mas dava um certo jeito.
Com que idade ficou com o cabelo todo branco?
Deixei de pintar com 26 — eram madeixas e fui eliminando
progressivamente. Em momento algum foi problemático. Fiquei com mais
cabelos brancos do que pretos aos 30.
Como via o seu cabelo aos 26?
Gostei sempre até por ser alvo de conversa e em qualquer lugar
sou facilmente identificada. Como é todo liso, ainda chama mais à
atenção. É uma opção, gosto. Já me passou pela cabeça pintar, depois
disto tudo. Houve uma altura em que vinha para casa e pensei: “vou ao
cabeleireiro pintar o cabelo, fazer madeixas, pelo menos”. Entrei,
estive à espera, disse à cabeleireira que era para pintar, “desta vez
vou mesmo fazer madeixas, estou decidida”, e enquanto estava à espera
houve uma pessoa que veio ter comigo e disse: “O seu cabelo é tão
bonito, como é que faz? Eu quero fazer igual”. Então pronto, não foi
dessa e nunca mais me passou pela cabeça.
O que diziam as pessoas da sua idade?
Era a única, fui sempre diferente, sempre identificada por ter o
cabelo branco. É uma maneira de ser diferente. Eu sei que o cabelo
branco pesa, dá um ar mais velho, mas não era por isso que eu o iria
pintar. Eu tenho noção de que a coisa por enquanto ainda fica bem, a
cara ainda não corresponde muito ao cabelo, não há assim muitas rugas,
mas mesmo sabendo que vou ficar mais velha, que vou ter rugas, não tenho
intenção de pintar.
"[Os meus filhos] nunca se importaram com aqueles
comentários de 'está aí a tua avó para te levar'. Nem o meu marido,
nunca me pediu para pintar o cabelo. Nunca, ninguém. Também acho que se
me pedissem, não o fazia."
Luísa Falcão
O mais comum é eliminarem-se os cabelos brancos quando aparecem. Nunca sentiu nenhuma pressão para o fazer?
Antes pelo contrário. Mesmo no cabeleireiro dizem sempre para
não o fazer. Isto é uma opção minha, assumir aquilo que é meu, assumir
os meus cabelos brancos com orgulho. Ainda esta semana entrei na reunião
dos encarregados de educação dos meus filhos e estava uma senhora que
devia ser da minha idade com o cabelo todo branco e a primeira coisa que
me apeteceu dizer-lhe foi “tem um cabelo muito bonito”. É uma espécie
de irmandade, somos diferentes.
E já alguém se inspirou em si e lhe seguiu o exemplo?
Já, bastantes, mais velhas do que eu. Algumas não conseguiram,
porque durante a transição… é complicado porque pintam e as raízes
começam a aparecer. Quando se toma esta opção de deixar os brancos
crescer, há ali uma fase que deve ser muito complicada e a pessoa não
resiste e acaba por pintar.
E nunca conseguiu converter uma amiga mais nova?
Não. Não é converter… Com estas colegas que queriam deixar de
pintar o cabelo eu nunca lhes disse nada, foi opção. Olhavam, gostavam e
queriam também. Eu acho que havia muita gente que queria ter o cabelo
assim, mas não consegue porque passa por aquela fase que é mesmo muito
feia.
Acha que vai manter o cabelo branco no futuro?
Sim, vai ser sempre assim. Já é assim há quase 20 anos, e vai
ser sempre assim. Já pus uma peruca — só para brincar — e fico muito,
muito esquisita, não sou eu. Saí mesmo à rua e não era carnaval.
Deixou de ter pessoas a olhar para si.
Eu tenho consciência que [o cabelo branco] dá nas vistas e é
motivo para se falar. Se for com o cabelo preto fico igual a toda a
gente. A intenção não é receber olhares por ter o cabelo branco,
sinto-me bem com ele assim, mas acho piada vir alguém tocar-me nas
costas e pedir desculpa, perguntar porque é que eu tenho o cabelo assim.
Os seus filhos sempre a conheceram assim. O que é que dizem?
Sim, e de peruca estranham, não acham graça. Nunca se
importaram com aqueles comentários de “está aí a tua avó para te levar”.
Nem o meu marido, nunca me pediu para pintar o cabelo. Nunca, ninguém.
Também acho que se me pedissem, não o fazia.