Para concluir esta instrução, refleti que não foi premeditado desígnio que disse anteriormente que uma única Santa Missa, tomada em si e em relação ao seu valor intrinseco, basta para esvaziar inteiramente o Purgatório e abrir a todas as almas, que lá se acham, as portas do Paraíso. Com efeito, este Divino Sacrifício vai em auxílio das almas dos falecidos, não só satisfazendo por suas dívidas como propiciatório, mas ainda obtendo-lhes a libertação, como impetratório. Isto decorre claramente da conduta da Igreja, que não somente oferece a Santa Missa pelas almas sofredoras, como também insere orações para libertá-las.
Ora, a fim de excitar vossa compaixão por essas santas almas, sabei que o fogo em que estão mergulhadas é tão devorador quanto o do próprio Inferno. Tal é a opinião de São Gregório. Instrumento da Justiça divina, ele age sobre as almas com tão grande ardor, que lhes causa dores intoleráveis e superiores a todos os suplícios que jamais se pode ver, experimentar ou sequer imaginar aqui na Terra. Muito mais, porém, sofrem elas pela pena de dano, e é, a privação da bem-aventurada visão de DEUS. Elas experimentam, diz São Tomás, uma insuportável angústia, causada pelo desejo que têm de ver o Soberano Bem, desejo que não pode ser satisfeito.
Pois bem, consultai-vos intimamente e respondei à pergunta: Se vísseis vosso pai e vossa mãe a ponto de afogar-se num lago e que para salvá-los vos bastasse estender a mão, não seríeis levado, pela caridade e pela justiça, a socorrê-los!
E então! vedes com os olhos da Fé tantas pobres almas de vossos parentes próximos, queimando vivas num lago de fogo, e não quereis impor-vos um pequeno incômodo para assistir devotamente à uma Santa Missa em seu sufrágio. De que é feito o vosso coração? Pois quem pode duvidar que a Santa Missa leve um grande auxílio a essas pobres almas? Quanto a isto, ouvi São Jerônimo. Ele vos dirá claramente que, ao celebrar-se a Santa Missa por uma alma do Purgatório, o fogo tão devorante, que ordinariamente a consome, suspende sua ação e ela não sofre pena alguma enquanto dura o Sacrifício. Animae quae sunt in Purgatorio pro quibus solet sacerdos in Missa orare, interim nullum tormentum sentiunt dum Missa celebratur.
Além disso, afirma que, a cada Santa Missa, muitas almas ficam livres do Purgatório e voam para o Paraíso: Missa celebrata, plures animae exeunt de Purgatorio.
Acresce que esta caridade, exercida em favor das pobres almas, redundará inteiramente em vosso proveito. Infinidade de exemplos poderia eu apresentar-vos em apoio desta afirmação. Contentar-me-ei com um fato, perfeitamente autêntico, acontecido com São Pedro Damião. Criança ainda, ele perdeu o pai e foi recolhido na casa de um dos irmãos, que o tratava com muita desumanidade a ponto de deixá-lo andar descalço, em andrajos e lhe faltando tudo. Sucedeu que um dia o menino achou, na rua, uma moeda qualquer. Imaginai a sua alegria e como lhe pareceu ter achado um tesouro. Mas em que empregá-lo! A pobreza sugeria-lhe mil projetos. Por fim, depois de refletir longamente, decidiu dar o dinheiro a um sacerdote para que celebrasse uma Santa Missa pelas santas almas do Purgatório. Podeis acreditar: desde então a fortuna mudou para ele. Recolheu-o outro dos irmãos, mais compassivo, que o amou como um filho, deu-lhe roupas convenientes, enviou-o à escola, contribuindo assim para que ele se tornasse esse grande homem e grande Santo, ornamento da púrpura e forte sustentáculo da Igreja. Vede como uma única Santa Missa, encomendada com ligeiro sacrifício, se tornou para ele a origem de tão grande bem.
Ó bem-aventurada Santa Missa! que ajuda ao mesmo tempo os mortos e os vivos, que alcança graças para o tempo presente e para a eternidade. Essas santas almas são tão gratas a seus benfeitores, que chegando ao Céu, elas se constituem seus advogados e jamais os abandonam até que os vejam de posse da glória.
Foi o que verificou uma mulher de má vida em Roma. Inteiramente esquecida de sua salvação, não pensava senão em satisfazer suas paixões, e servia de agente de satanás para corromper a mocidade.
Já não fazia nenhuma boa ação, a não ser encomendar quase todos os dias uma Santa Missa pelas almas do Purgatório.
Oh! essas almas, como se pode crer piedosamente, oraram tão bem por sua benfeitora, que um belo dia, tomada de profunda contrição de suas faltas, ela abandonou sua casa infame, foi prostrar-se aos pés de um zeloso confessor, fez sua confissão geral e pouco tempo depois morreu em consoladoras disposições que todos ficaram persuadidos de sua salvação eterna. Esta graça tão admirável foi atribuida à eficácia das Santas Missas que ela encomendava pelas almas do Purgatório.
Despertemos também nós, e não deixemos que os publicanos e as mulheres de má vida nos precedam no Reino de DEUS (Mt 21, 31).
Se fôsseis dessa raça de ingratos que não só faltam à caridade, que se esquecem de rezar por seus falecidos, e não participam nunca de uma Santa Missa por esses pobres afligidos, mas ainda, violando toda justiça, recusam aplicar os legados piedosos de Missas, indicados no testamento de seus parentes.
Oh! então eu me inflamaria e vos diria em face: "Retirai-vos, sois piores que um demônio, pois, realmente, os demônios só torturam as almas dos répobros, mas vós, vós atormentais as almas dos eleitos; os demônios exercem sua raiva sobre os condenados, mas vós sois cruéis com os predestinados, os amigos de DEUS. Não, não há para vós, nem confissão que valha, nem padre que vos possa absolver, se não fizerdes penitência de tão grande pecado e não solverdes, inteiramente as dívidas que tendes com os mortos".
- Mas, direis, não tenho meios de encomendar essas missas, não é possível.
- Não tendes meios? Não é possível? E para manter essa casa confortável, para andar suntuosamente vestido, para gastar loucamente em festins, em recepções de prazer, e, às vezes, em divertimentos criminosos, tendes meios.
Depois, quando se trata de pagar vossas dívidas aos pobres defuntos, não possuís nada! Não é possível?! Ah! compreendo: não há ninguém na Terra para cobrar essas contas. Mas tereis que prestá-las a DEUS. Continuai, portanto, a comer os bens dos mortos, os legados piedosos, os sacrifícios, mas sabei que é para vós que está escrito nos Profetas uma ameaça de desgraças, de calamidades, de tribulações, de ruína irreparável para vossos bens, vossa honra e vossa vida. Eis a palavra de DEUS que não poderá ficar sem efeito: Comederunt sacrificia mortuorum et multiplicata est in eis ruina - "Comeram os sacrifícios dos mortos e multiplicou-se neles a ruína" (Sl 105, 28-29). Sim, ruínas, infortúnios, perdas irreparáveis às casas que não se desobrigaram de seus deveres para com os mortos.
Vede quantas famílias extintas, quantas casas arruinadas, lojas fechadas, comércio em apuros, falências, quantos males, quantos tormentos! Mas qual é a causa? Um exame atento revelaria que uma das causas principais é a crueldade para com os pobres mortos, recusando-lhes os sufrágios devidos, negligenciando o cumprimento dos legados piedosos. Comederunt sacrificia mortuorum et multiplicata est in eis ruina.
Entretanto, não consiste ainda nisto todo o castido de DEUS àqueles sem amor a seus falecidos: outro maior lhes está reservado na outra vida. São Tiago assegura que eles serão julgados por DEUS com todo o rigor da justiça, sem misericórdia, pois que eles mesmos foram impiedosos com os pobres mortos. Judicium sine misericordia illi qui non fecit misericordiam. (Tg 2,13). Permitirá DEUS que seus herdeiros lhes paguem na mesma moeda, e é, que suas últimas disposições não sejam cumpridas, as Missas deixadas em testamento não sejam realizadas: e, se forem celebradas, DEUS não as aplicará a eles, mas a outras almas que nesta vida tiveram compaixão dos mortos.
Isto nos ensinam, outrossim, nossas crônicas, a respeito de um irmão que, após a morte, apareceu a um de seus companheiros, revelando-lhe que no Purgatório sofria dores extremas, especialmente por ter sido muito negligente em rezar por seus irmãos falecidos. Até aquele momento ele não recebera nenhum alívio dos sufrágios e Missas oferecidos em seu favor. Como punição por sua negligência, DEUS os aplicava a outras almas que em vida tinham sido devotas das almas sofredoras.
Antes de terminar esta instrução, permiti-me, caro leitor, suplicar-vos de joelhos e mãos postas de não fechar este livro sem tomar a firme resolução de fazer, no futuro, todo o esforço para assistir ou encomendar todas as Santas Missas que vossas ocupações e vossa condição vos permitirem, não só pelas almas dos falecidos, mas também pela vossa, e isto por dois motivos. Em primeiro lugar, para alcançardes uma boa e santa morte, pois é opinião constante dos teólogos que não há meio mais eficaz para se chegar a um bom fim, do que a Santa Missa. Ainda mais, Nosso Senhor JESUS CRISTO revelou a Santa Mectilde que aquele que, durante a vida, tiver tido o hábito de assistir devotamente à Santa Missa, será consolado na morte pela presença dos Anjos e dos Santos protetores, que o defenderão poderosamente contra todos os ataques dos demônios. Ah! de que bela morte será coroada a vossa vida, se a tiverdes empregado em assistir todas as Santas Missas que puderdes.
Em segundo lugar, para sair prontamente do Purgatório e voar à glória eterna. Já provamos suficientemente a eficácia da Santa Missa para apressar a remissão das penas do Purgatório. Contentai-vos aqui com o exemplo e a autoridade do grande servo de DEUS, João d'Ávila, oráculo da Espanha. Encontrava-se em artigo de morte e alguém perguntou-lhe o que mais queria depois da morte, e ele respondeu: "Missas, Missas, Missas!"
Mas, se me permitís, eu quisera dar-vos, sobre este ponto, um conselho de grande importância: cuidai de mandar celebrar durante vossa vida todas as Santas Missas que desejaríeis que fossem celebradas depois de vossa morte, e não encarregueis disto os que ficarem no mundo depois de vós.
Tanto mais que Santo Anselmo vos ensina que uma única Santa Missa assistida ou celebrada por vossa intenção durante vossa vida, vos será, talvez, mais útil que mil depois de morrerdes. Audire devote unicam Missam in vita vel dare eleemosynam pro ea, prodest magis quam relinquere ad celebrandum mille post obitum.
Bem compreendera esta verdade aquele rico mercador de Gênova que ao morrer, não deixou nenhuma disposição para assegurar-se sufrágios.
Todos se admiravam de que um homem tão rico, tão piedoso e generoso para com todo mundo, tivesse sido tão cruel consigo. Mas, terminados os funerais, encontram-se lançadas, em um de seus livros de contas, as grandes caridades que fizera por sua alma durante a própria vida.
"Missas celebradas por minha alma, dois mil escudos; para o casamento das jovens, dez mil; para tal santuário, duzentos, etc."
E no fim lá estava escrito: "Porque quem deseja o próprio bem, faça-o a si durante a vida, e não conte com os outros para que lho façam depois de morto".
É provérbio bastante conhecido que uma vela à frente clareia mais que uma tocha atrás.
Aproveitai tão belo exemplo e pesai bem a utilidade e as vantagens da Santa Missa. Deplorai a cegueira em que tendes vivido até agora, desestimando o valor de tão grande tesouro, que por longo tempo tem sido para vós um tesouro oculto.
Agora, portanto, que lhe conheceis o preço, bani de vosso espírito e mais ainda de vossos lábios estas expressões escandalosas: "Uma missa a mais, uma missa a menos, pouco importa. Já basta assistir à Santa Missa nos dias de preceito! A Missa daquele padre é uma Missa de semana santa: quando ele sobe ao altar, eu fujo da Igreja". Tomai novamente a resolução de assistir, de hoje em diante, a todas as Santas Missas que puderdes, e assistir com a devida devoção: e, para que assim seja, servi-vos, com a graça de DEUS do método piedoso e fácil que segue.
Fonte: As Excelências da Santa Missa
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