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sexta-feira, 24 de março de 2023

Você já ouviu falar da Anunciação a José?

Domínio Público | Wikipedia

José teve seu próprio encontro com um anjo, semelhante ao que ocorreu na Anunciação a Maria


A Igreja Católica celebra a solenidade da Anunciação em 25 de março, recordando o anúncio do arcanjo Gabriel à Santíssima Virgem Maria de que ela seria a mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo.

A maioria dos católicos está familiarizada com a Anunciação a Maria, mas esta palavra também se aplica à Anunciação a São José, igualmente descrita na Bíblia. Este evento, que está registrado no Evangelho de São Mateus, relata o anúncio de um anjo a São José sobre a concepção milagrosa de Jesus no ventre de Maria:

“Enquanto assim pensava, eis que um anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos e lhe disse: ‘José, filho de Davi, não temas receber Maria por esposa, pois o que nela foi concebido vem do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo de seus pecados’. Tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que o Senhor falou pelo profeta: ‘Eis que uma Virgem conceberá e dará à luz um filho, que se chamará Emanuel (Is 7,14), que significa: Deus conosco’. Despertando, José fez como o anjo do Senhor lhe havia mandado e recebeu em sua casa sua esposa. E, sem que ele a tivesse conhecido, ela deu à luz o seu filho, que recebeu o nome de Jesus” 
(Mateus 1, 20-25).

São João Paulo II mencionou este evento bíblico na sua carta apostólica Redemptoris Custos, sobre São José.

“Nas palavras da «anunciação» noturna, José escuta não apenas a verdade divina acerca da inefável vocação da sua esposa, mas ouve novamente também a verdade acerca da própria vocação. Este homem «justo», que, segundo o espírito das mais nobres tradições do povo eleito, amava a Virgem de Nazaré e a ela se encontrava ligado por amor esponsal, é novamente chamado por Deus para este amor“.

Na Igreja, portanto, podemos referir-nos a duas “anunciações” diferentes: uma à Santíssima Virgem Maria e outra ao seu esposo São José.

Fonte: Aletéia

São José, rogai por nós!

sábado, 26 de novembro de 2022

Por que o Rosário era a oração predileta de João Paulo II?

Alessia Pierdomenico | Shutterstock

Já no início de seu pontificado, São João Paulo II fez saber a todos que o Rosário era sua oração favorita - e não parou por aí

Os papas nem sempre revelam suas preferências pessoais em público, mas São João Paulo II não teve medo de revelar suas orações prediletas.

Em um Angelus de 1978, duas semanas após sua eleição, São João Paulo II disse claramente:

“O Rosário é minha oração predileta. 
Oração maravilhosa! 
Maravilhosa em simplicidade e profundidade.”

E não parou por aí. Na carta apostólica Rosarium Virginis Mariae, de 2002, João Paulo II também destacou que o Rosário o consolava nos bons e maus momentos:

“O Rosário acompanhou-me nos momentos de alegria e nas provações. 
A ele confiei tantas preocupações; nele encontrei sempre conforto.”

Em certo sentido, se você quer saber todas as razões pelas quais São João Paulo II amou o Rosário, basta ler a Rosarium Virginis Mariae. Ela contém um estudo aprofundado sobre essa devoção e as muitas razões pelas quais o pontífice polonês a amava.

Rosário e contemplação

São João Paulo II lista uma das principais razões pelas quais dizia que o Rosário era sua oração predileta e por que ele tanto incentivava as pessoas a rezarem-no:

“O motivo mais importante para propor com insistência a prática do Rosário reside no fato de este constituir um meio validíssimo para favorecer entre os crentes aquele compromisso de contemplação do mistério cristão que propus, na Carta apostólica Novo millennio ineunte, como verdadeira e própria pedagogia da santidade: 
«Há necessidade dum cristianismo que se destaque principalmente pela arte da oração». 
Enquanto que na cultura contemporânea, mesmo entre tantas contradições, emerge uma nova exigência de espiritualidade, solicitada inclusive pela influência de outras religiões, é extremamente urgente que as nossas comunidades cristãs se tornem «autênticas escolas de oração»”.

Maria e o Rosário

Para São João Paulo II, o Rosário não só oferecia um modo de contemplar os mistérios do Evangelho, mas também era uma forma de se voltar para Maria, que ele acreditava ser um “modelo de contemplação”.

Enfim, São João Paulo II fez tudo o que pôde para promover o Rosário durante seu pontificado, compartilhando com o mundo o impacto da devoção em sua vida. Com isso, ele esperava que o Rosário, de fato, pudesse nos ajudar em nosso próprio caminho espiritual.

Fonte: Aletéia

Documentos do Papa João Paulo II sobre Maria e o Rosário:

1. Carta Encíclica Redemptoris Mater (1987)




3. Catequeses do Papa JPII sobre Maria (Compiladas: 2014)


Nossa Senhora do Santíssimo Rosário, rogai por nós!

quinta-feira, 13 de outubro de 2022

60 Anos do Concílio Vaticano II: De Pio XII a Francisco


FOTOTECA ACI/CPP/CIRIC

Um professor de história no Instituto Católico de Lyon fala sobre estas últimas seis décadas, e para onde vamos a partir daqui

O 11 de Outubro de 2022 marcou o 60º aniversário da abertura do Concílio Vaticano II, com uma Missa celebrada pelo Papa Francisco na Basílica de São Pedro. Dos quase 3.000 bispos que participaram no Concílio, apenas cinco “padres do Concílio” ainda hoje estão vivos, incluindo um cardeal, o nigeriano Francis Arinze, que participou na última sessão em 1965. Bento XVI contribuiu para o Concílio Vaticano II como teólogo especialista, mas ainda não era bispo.

Enquanto o Papa Francisco se mostrou um filho espiritual de João XXIII, canonizando-o e defendendo também um aggiornamento da Igreja, o P. Daniel Moulinet, padre da Diocese de Moulins e professor de História no Instituto Católico de Lyon, explica como Pio XII estabeleceu as primeiras diretrizes para uma reforma da Igreja que os seus sucessores concretizaram desde então. Ele também revê o legado do Concílio Vaticano II, que o atual processo sinodal continua a infundir.

O Papa Francisco disse por vezes que um Concílio leva 100 anos a assimilar. Podemos dizer, contudo, que o Concílio Vaticano II, 60 anos depois, foi assimilado, ou ainda há temas a serem aprofundados?

Creio que foi plenamente assimilado em muitos pontos: a nível da liturgia, por exemplo, a questão da participação plenamente ativa e consciente dos fiéis foi assimilada pela maioria do povo cristão. O lugar da Sagrada Escritura é agora plenamente aceito. A estrutura de um sacramento, a sua celebração, já não é concebida sem a intervenção da Palavra de Deus. No passado, este não era necessariamente o caso. A Eucaristia é agora pensada como um “todo”; já não existe esta dissociação entre o que era chamado de “pré-missa” e a consagração. A Palavra de Deus tomou o seu pleno lugar.

Em termos de eclesiologia, muitos aspectos têm sido bem integrados. Em particular, temos visto o aparecimento da noção de “presbitério” em torno do bispo em cada diocese, e os padres estão muito mais conscientes disso do que costumavam estar. Mas ainda há coisas a explorar. A prática dos padres que ouvem os fiéis precisa de ser aprofundada. Alguns clérigos continuam reticentes, mas o Espírito Santo também fala através dos leigos, como nos lembra o Concílio.

Quais foram os precursores do Concílio? 
Podemos dizer que Pio XII previu a necessidade de mudança?

A nível litúrgico, o Papa Pio XII já tinha aberto o caminho para importantes mudanças na sua encíclica de 1947 Mediador Dei, que pôs em prática outra encíclica, Mystici Corporis Christi (1943). O desafio era pensar na Igreja como um corpo e aplicar esta visão à liturgia. Cada membro dos fiéis tornou-se assim membro de um corpo: já não se podia dizer que o padre celebrava a Missa e que os fiéis simplesmente assistiam, como num teatro.

Pio XII tinha também permitido a publicação de lecionários com tradução para a língua local, a partir dos anos 50. Em alguns países, como a Alemanha e a China, era possível celebrar a Missa na língua local antes do Concílio Vaticano II. Não era este o caso na França, mas para a celebração dos sacramentos, era possível utilizar a língua local, desde que a formulação sacramental enquanto tal fosse mantida em latim.

As pessoas têm a impressão de que tudo começou com o Concílio Vaticano II, mas isto não é verdade; houve muitas transformações antes. Podemos também apontar para o restabelecimento da Vigília Pascal em 1954. Sem o pontificado de Pio XII, o Concílio não teria tido o mesmo ponto de partida. Teria começado muito mais atrás. Pio XII fez avançar as coisas, e João XXIII amplificou o movimento iniciado pelo seu predecessor.

Os tradicionalistas censuram frequentemente o Concílio Vaticano II por ter contribuído para a crise de identidade que o catolicismo viveu a partir dos anos 70. 
Mas será que podemos pensar, pelo contrário, que esta crise poderia ter sido ainda mais violenta se não tivesse existido o Concílio?

Talvez sim, na medida em que o confronto com a modernidade poderia ter sido ainda mais frontal. Mas, na realidade, as coisas estavam em movimento há muito tempo. O ano 1965, o ano da conclusão do Concílio, pode ser considerado como um acelerador, mas não como um ponto de partida.

De fato, houve duas fases na recepção do Concílio. Nos anos 1965-68, as pessoas não se fizeram demasiadas perguntas; pensavam que a assimilação aconteceria naturalmente. Por exemplo, os grupos da Ação Católica trabalharam muito na Gaudium et Spes. Mas a implementação foi talvez um pouco funcionalista e redutora demais.

Por exemplo, criámos o conselho presbiteral com uma espécie de lógica “democrática”, assegurando que cada categoria de padres estivesse representada neste organismo: os padres trabalhadores, os padres professores, os capelães da Ação Católica, etc… Fizemos ajustamentos cuidadosos nas dioceses, mas esta lógica estava talvez demasiado centrada na adaptação ao modo de funcionamento da sociedade, sem ir ao âmago das coisas. Começamos com a superfície, sem uma âncora espiritual.

Perante as dificuldades e divisões que marcaram a segunda fase do seu pontificado, será que Paulo VI teve um sentimento de fracasso na implementação do Concílio Vaticano II, ou estava, pelo contrário, consciente da lentidão deste processo histórico?

Paulo VI, que era um homem muito sensível, tomou de frente esta crise da Igreja e sofreu com ela. Mas ocorreu uma mudança de direção após o Ano Santo de 1975. A organização deste Jubileu tinha despertado o ceticismo de alguns no seio da Igreja. No entanto, o sucesso deste Ano Santo mudou a situação. Estas grandes reuniões recordaram-nos a importância da religiosidade popular, enquanto que depois do Concílio, alguns clérigos a tinham desqualificado, desejando acolher apenas cristãos “conscientes”, com uma fé mais intelectual e fundamentada. A reabilitação da piedade popular foi um fruto importante deste Ano Santo, e o Papa Francisco insiste hoje frequentemente na importância de promover estas formas de devoção.

O outro legado importante do Jubileu de 1975 foi o reconhecimento da Renovação Carismática. Paulo VI, incitado pelo Cardeal Suenens, Primaz da Bélgica, deu aos carismáticos o seu lugar, reconhecendo-os como um fator de rejuvenescimento da Igreja, oferecendo um novo impulso. Os bispos franceses da época, formados pela Ação Católica, foram mais reticentes, mas acabaram por entrar em diálogo com este movimento nos anos 80. Isto permitiu-lhe estruturar-se, pondo simultaneamente fim à existência de certas comunidades mal reguladas.

O longo pontificado de João Paulo II é hoje objeto de muitas leituras críticas, algumas acusando-o de ter atrasado o Concílio, de ter bloqueado certos desenvolvimentos. 
Mas será isto uma falsa acusação? 
Pelo contrário, será que ele deu ao Concílio toda a sua importância no seu magistério?

Creio que o seu pontificado estava em plena consonância com o Concílio, do qual ele próprio tinha sido um ator importante. Por exemplo, o capítulo sobre ateísmo na Gaudium et Spes deve-lhe muito. Como Papa, manteve a linha do Concílio sobre liberdade religiosa, sobre ecumenismo, e sobre diálogo com outras religiões, perante aqueles que contestaram a posição que este tomou.

Ao nível da eclesiologia, ele não recuou; muito pelo contrário. Partilhou plenamente a posição do Concílio. Hoje, as críticas estão principalmente ligadas aos excessos da Cúria no final do seu pontificado, porque a sua saúde já não lhe permitia exercer plena autoridade. O mesmo fenômeno ocorreu no final do pontificado de Pio XII. Mas seria muito simplista apontar apenas estas dificuldades, porque se tratava essencialmente de um grande pontificado.

Qual foi a posição de João Paulo II sobre a sinodalidade?

Relativamente ao Sínodo, lançou uma iniciativa baseada numa intuição talvez insuficientemente explorada: sínodos continentais, para a África, Europa, Oceânia, etc. Talvez esta intuição não tenha tido o desenvolvimento que poderia ter tido, mas creio que poderia prefigurar a forma dos futuros Concílios.

Convocar hoje um Terceiro Concílio Vaticano parece impossível. Na altura do Concílio Vaticano II, todos os bispos foram formados no mesmo molde teológico europeu. Já não é este o caso. Hoje, com a globalização, a Europa já não é o centro do mundo. Assim, talvez estes sínodos continentais tenham mostrado o caminho para um Concílio descentralizado, com textos curtos distribuídos a partir de Roma, mas depois teria de se encontrar uma adaptação de acordo com continentes e países.

Pode o atual processo sinodal ser visto como uma forma de infundir o Concílio na vida da Igreja?

Sim, creio que sim, mas ainda precisamos descobrir a forma sinodal de trabalhar. Não é apenas uma questão de fazer um evento e depois voltar para casa. Acredito que o futuro da nossa Igreja reside no apostolado dos leigos e, portanto, na sua formação espiritual. Se queremos que todos participem na vida da Igreja, devemos dar importância a uma formação que permita a cada cristão experimentar um encontro pessoal com Cristo Jesus. É por ter tido esta experiência, com a ajuda do Espírito Santo, que cada um poderá encontrar a sensibilidade de fazer parte da Igreja e tomar o seu lugar na sua construção. O Papa tem razão em falar de “discípulos missionários”, mas isto pressupõe que sejamos antes de mais discípulos, ou seja, que ouçamos Jesus Cristo, que nos deixemos ensinar. As palavras devem ter um significado prático.

A comunidade cristã deve também ter uma verdadeira consciência comunitária e fraterna, de modo a que nos levemos uns aos outros. Cada paróquia deve também assumir a dimensão da diakonia, do serviço aos pobres, que é tão importante como a liturgia e a celebração. Uma relação pessoal com Jesus Cristo e uma relação fraterna dentro da comunidade cristã são, creio eu, pré-requisitos para que a vida sinodal mude pouco a pouco a vida da Igreja, e seja ajustada ao que o Senhor pede.

Fonte: Aletéia

Nossa Senhora do Rosário de Fátima, rogai por nós!

sábado, 8 de outubro de 2022

Por que o Rosário era a oração predileta de João Paulo II?

Alessia Pierdomenico | Shutterstock


Já no início de seu pontificado, São João Paulo II fez saber a todos que o Rosário era sua oração favorita - e não parou por aí


Os papas nem sempre revelam suas preferências pessoais em público, mas São João Paulo II não teve medo de revelar suas orações prediletas.

Em um Angelus de 1978, duas semanas após sua eleição, São João Paulo II disse claramente: 

“O Rosário é minha oração predileta. 
Oração maravilhosa! 
Maravilhosa em simplicidade e profundidade.”

E não parou por aí. Na carta apostólica Rosarium Virginis Mariae, de 2002, João Paulo II também destacou que o Rosário o consolava nos bons e maus momentos:

“O Rosário acompanhou-me nos momentos de alegria e nas provações. 
A ele confiei tantas preocupações; nele encontrei sempre conforto.”

Em certo sentido, se você quer saber todas as razões pelas quais São João Paulo II amou o Rosário, basta ler a Rosarium Virginis Mariae. Ela contém um estudo aprofundado sobre essa devoção e as muitas razões pelas quais o pontífice polonês a amava.

Rosário e contemplação

São João Paulo II lista uma das principais razões pelas quais dizia que o Rosário era sua oração predileta e por que ele tanto incentivava as pessoas a rezarem-no:

“O motivo mais importante para propor com insistência a prática do Rosário reside no fato de este constituir um meio validíssimo para favorecer entre os crentes aquele compromisso de contemplação do mistério cristão que propus, na Carta apostólica Novo millennio ineunte, como verdadeira e própria pedagogia da santidade: 
«Há necessidade dum cristianismo que se destaque principalmente pela arte da oração»
Enquanto que na cultura contemporânea, mesmo entre tantas contradições, emerge uma nova exigência de espiritualidade, solicitada inclusive pela influência de outras religiões, é extremamente urgente que as nossas comunidades cristãs se tornem «autênticas escolas de oração»”.

Maria e o Rosário

Para São João Paulo II, o Rosário não só oferecia um modo de contemplar os mistérios do Evangelho, mas também era uma forma de se voltar para Maria, que ele acreditava ser um “modelo de contemplação”.

Enfim, São João Paulo II fez tudo o que pôde para promover o Rosário durante seu pontificado, compartilhando com o mundo o impacto da devoção em sua vida. Com isso, ele esperava que o Rosário, de fato, pudesse nos ajudar em nosso próprio caminho espiritual.

Fonte: Aletéia

TOTUS TUUS

Nossa Senhora do Rosário e São João Paulo II, rogai por nós!

terça-feira, 27 de setembro de 2022

A Doutrina Social e o Cristão Leigo

 

DOUTRINA SOCIAL E COMPROMISSO DOS CRISTÃOS LEIGOS


a) O cristão leigo

A conotação essencial dos cristãos leigos, fiéis operários da vinha do Senhor (cf. Mt 20,1-16), é a índole secular de sua seqüela de Cristo, que se realiza propriamente no mundo: «aos leigos compete, por vocação própria, buscar o Reino de Deus ocupando-se das coisas temporais e ordenando-as segundo Deus ». Com o Batismo os leigos são inseridos em Cristo, tornam-se partícipes de Sua vida e da Sua missão segundo a sua peculiar identidade: «Por leigos entende-se aqui todos os fiéis, com exceção daqueles que receberam uma ordem sacra ou abraçaram o estado religioso aprovado pela Igreja, isto é, os fiéis que — por haverem sido incorporados em Cristo pelo Batismo e constituídos em Povo de Deus, e por participarem a seu modo do múnus sacerdotal, profético e real de Cristo — realizam na Igreja e no mundo, na parte que lhes compete, a missão de todo o povo cristão».

A identidade do cristão leigo nasce e se alimenta dos sacramentos: do Batismo, da Crisma e da Eucaristia. O Batismo conforma a Cristo, Filho do Pai, primogênito de toda a criatura, enviado como Mestre e Redentor a todos os homens. A Crisma ou Confirmação configura a Cristo, enviado para vivificar a criação e cada ser com a efusão do Seu Espírito. A Eucaristia torna o fiel partícipe do único e perfeito sacrifício que Cristo ofereceu ao Pai, na própria carne, para a salvação do mundo.

O fiel leigo é discípulo de Cristo a partir dos sacramentos e em força destes, em virtude de tudo quando Deus operou nele imprimindo-lhe a própria imagem do Seu Filho, Jesus Cristo. Deste dom divino de graça, e não de concessões humanas, nasce o tríplice «munus» (dom e dever), que qualifica o leigo como profeta, sacerdote e rei, segundo a sua índole secular.

É tarefa própria do fiel leigo anunciar o Evangelho com um exemplar testemunho de vida, radicada em Cristo e vivida nas realidades temporais: família; compromisso profissional no âmbito do trabalho, da cultura, da ciência e da pesquisa; exercício das responsabilidades sociais, econômicas, políticas. Todas as realidades humanas seculares, pessoais e sociais, ambientes e situações históricas, estruturas e instituições, são o lugar próprio do viver e do agir dos cristãos leigos. Estas realidades são destinatárias do amor de Deus; o empenhamento dos fiéis leigos deve corresponder a esta visão e qualificar-se como expressão da caridade evangélica: « o estar e o agir no mundo são para os fiéis leigos uma realidade, não só antropológica e sociológica, mas também e especificamente teológica e eclesial ».

b) A espiritualidade do cristão leigo

Os fiéis leigos são chamados a cultivar uma autêntica espiritualidade laical, que lhes regenerem como homens e mulheres novos, imersos no mistério de Deus e inseridos na sociedade, santos e santificadores. Uma semelhante espiritualidade edifica o mundo segundo o Espírito de Jesus: torna capaz de olhar para além da história, sem dela se afastar; de cultivar um amor apaixonado por Deus, sem tirar o olhar dos irmãos, que se conseguem ver como os vê o Senhor e amar como Ele os ama. É uma espiritualidade que foge tanto do espiritualismo intimista como do ativismo social e sabe exprimir-se em uma síntese vital que confere unidade, significado e esperança à existência, por tantas e várias razões, contraditória e fragmentada. Animados por semelhante espiritualidade, os fiéis leigos podem contribuir, «do interior, à maneira de fermento, para a santificação do mundo, através do cumprimento do próprio dever, guiados pelo espírito evangélico, e a manifestarem Cristo aos outros antes de mais com o testemunho da vida».

Na experiência do crente, de fato, «não pode haver ... duas vidas paralelas: por um lado, a vida chamada “espiritual”, com os seus valores e exigências; e, por outro, a chamada vida “secular”, ou seja, a vida da família, do trabalho, das relações sociais, do empenhamento político e da cultura».

c) Agir com prudência

O fiel leigo deve agir segundo as exigências ditadas pela prudência: é esta a virtude que dispõem a discernir em cada circunstância o verdadeiro bem e a escolher os meios adequados para cumpri-lo. Graças a esta se aplicam corretamente os princípios morais aos casos particulares. A prudência se articula em três momentos: clarifica a situação e a avaliação, inspira a decisão e dá impulso à ação. O primeiro momento é qualificado pela reflexão e pela consulta para estudar o argumento requerendo o necessário parecer; o segundo é o momento de avaliação da análise e do juízo sobre a realidade à luz do projeto de Deus; o terceiro momento, aquele da decisão, se baseia sobre os falsos precedentes e que tornam possíveis o discernimento das ações a serem realizadas.

A prudência torna capaz de tomar decisões coerentes, com realismo e senso de responsabilidade em relação às conseqüências das próprias ações. A visão assaz difusa que identifica a prudência com a astúcia, o cálculo utilitarista, a desconfiança, ou ainda com a covardia e indecisão, está muito longe da reta concepção desta virtude, própria da razão prática, que ajuda a decidir com sensatez e coragem as atitudes a serem tomadas, tornando-se medida das outras virtudes. A prudência afirma o bem como dever e mostra o modo como a pessoa se determina a cumpri-la. A prudência é, ao fim e ao cabo, uma virtude que exige o exercício maduro do pensamento e da responsabilidade, no conhecimento objetivo da situação e na reta vontade que guia as decisões.

d) Doutrina social e experiência associativa

A doutrina social da Igreja deve entrar, como parte integrante, no caminho formativo do fiel leigo. A experiência demonstra que o trabalho de formação é possível, normalmente, no interior das agregações laicais eclesiais, que respondem a precisos critérios de eclesialidade: «Também os grupos, as associações e os movimentos têm o seu lugar na formação dos fiéis leigos: têm, com efeito, a possibilidade, cada qual pelos próprios métodos, de oferecer uma formação profundamente inserida na própria experiência de vida apostólica, bem como a oportunidade de integrar, concretizar e especificar a formação que os seus adeptos recebem de outras pessoas e comunidades». A doutrina social da Igreja apóia e ilumina o papel das associações, dos movimentos e dos grupos laicos empenhados em vivificar de modo cristão os vários setores da ordem temporal: «A comunhão eclesial, já presente e operante na ação do indivíduo, encontra uma expressão específica no operar associado dos fiéis leigos, isto é, na ação solidária que eles desenvolvem ao participar responsavelmente na vida e na missão da Igreja».

A doutrina social da Igreja é importantíssima para as agregações eclesiais que têm como objetivo de seu esforço a ação pastoral no âmbito social. Estas constituem um ponto de referência privilegiado enquanto atuam na vida social em conformidade à sua fisionomia eclesial e demonstram deste modo, quanto seja relevante o valor da oração, da reflexão e do diálogo para enfrentar as realidades sociais e para melhorá-las. Vale, em cada caso, a distinção «entre aquilo que os cristãos, individualmente ou em grupo, fazem em seu nome, como cidadãos levados pela consciência cristã, e aquilo que, em união com os seus pastores, fazem em nome da Igreja».

e) O serviço nos diversos âmbitos da vida social

A presença do fiel leigo no campo social é caracterizada pelo serviço, sinal e expressão da caridade que se manifesta na vida familiar, cultural, profissional, econômica, política, segundo perfis específicos: obtemperando às diversas exigências de seu particular âmbito de atuação, os fiéis leigos exprimem a verdade de sua fé e, ao mesmo tempo, a verdade da doutrina social da Igreja, que encontra a sua plena realização quando é vivida em termos concretos para a solução dos problemas sociais. A mesma credibilidade da doutrina social reside de fato no testemunho das obras, antes mesmo que na sua coerência e lógica interna.

1. O serviço à pessoa humana

Entre os âmbitos do empenho social dos fiéis leigos, vem à tona antes de tudo o serviço à pessoa humana: a promoção da dignidade de toda pessoa, o bem mais precioso que o homem possui, é a tarefa essencial, antes, em certo sentido é «a tarefa central e unificadorado serviço que a Igreja, e nela os fiéis leigos, são chamados a prestar à família dos homens».

A promoção da dignidade humana implica, antes de tudo, a afirmação do direito inviolável à vida, desde a concepção até à morte natural, primeiro entre todos e condição para todos os outros direitos da pessoa. O respeito da dignidade pessoal exige, ademais, o reconhecimento da dimensão religiosa do homem, que não é «uma exigência meramente “confessional”, mas sim, de uma exigência que mergulha a sua raiz inextirpável na própria realidade do homem ». O reconhecimento efetivo do direito à liberdade de consciência e à liberdade religiosa é um dos bens mais altos e dos deveres mais graves de cada povo que queira verdadeiramente assegurar o bem da pessoa e da sociedade. No atual contexto cultural, assume singular urgência o empenho a defender o matrimônio e a família, que pode ser absolvido adequadamente só na convicção do valor único e insubstituível destas realidades em vista do autêntico progresso da convivência humana.

2. O serviço à cultura

A cultura deve constituir um campo privilegiado de presença e empenho pela Igreja e pelos cristãos individuais. O destaque entre a fé cristã e a vida cotidiana é julgado pelo Concílio Vaticano II como um dos erros mais graves do nosso tempo. O extravio do horizonte metafísico; a perda da nostalgia de Deus no narcisismo auto-referencial e na fartura de meios de um estilo de vida consumista; o primado conferido à tecnologia e à pesquisa científica fim em si mesma; a ênfase ao aparente, da busca da imagem, das técnicas de comunicação: todos estes fenômenos devem ser compreendidos em seu aspecto cultural e colocados em relação com o tema central da pessoa humana, do seu crescimento integral, da sua capacidade de comunicação e de relação com os outros homens, do seu contínuo interrogar-se sobre grandes questões que circundam a existência. Tenha-se presente que «a cultura é aquilo pelo que o homem se torna mais homem, “é” mais, aproxima-se mais do “ser”».

Apresentar em termos culturais atualizados o patrimônio da Tradição Católica, os seus valores, os seus conteúdos, toda o patrimônio espiritual, intelectual e moral do catolicismo é também hoje a urgência prioritária. A fé em Jesus Cristo, que se definiu a Si próprio «o caminho, a verdade e a vida» (Jo 14, 6), leva os cristãos a comprometer-se com empenho sempre renovado na construção de cultura social e política inspirada no Evangelho.

A perfeição integral da pessoa e o bem de toda a sociedade são os fins essenciais e o bem de toda a sociedade são os fins essenciais da cultura: a dimensão ética da cultura é portanto uma prioridade na ação social e política dos fiéis leigos. A desatenção a tal dimensão transforma facilmente a cultura em um instrumento de empobrecimento da humanidade. Uma cultura pode tornar-se estéril e encaminhar-se para a decadência, quando «se fecha em si própria e procura perpetuar formas antiquadas de vida, recusando qualquer mudança e confronto com a verdade do homem». A formação de uma cultura capaz de enriquecer o homem exige, ao contrário, o envolvimento de toda a pessoa, que nela desenvolve a sua criatividade, a sua inteligência, o seu conhecimento do mundo e dos homens, e investe, ademais, a sua capacidade autodomínio, de sacrifício pessoal, de solidariedade e de disponibilidade a promover o bem comum.

3. O serviço à economia

Diante da complexidade do contexto econômico contemporâneo, o fiel leigo se deixará guiar em sua ação pelos princípios do Magistério social. É necessário que ditos princípios sejam conhecidos e acolhidos na atividade econômica mesma: quando estes princípios são ignorados, em primeiro lugar o da centralidade da pessoa humana, a própria qualidade da atividade econômica fica comprometida.

O empenho do cristão traduzir-se-á também no esforço de reflexão cultural voltada sobretudo para um discernimento concernente aos atuais modelos de desenvolvimento econômico-social. A redução da questão do desenvolvimento a um problema exclusivamente técnico produziria um esvaziamento de seu verdadeiro conteúdo que, na verdade, diz respeito à « dignidade do homem e dos povos».

4. O serviço à política

Para os fiéis leigos, o compromisso político é uma expressão qualificada e exigente do compromisso cristão ao serviço dos outros. A persecução do bem comum em um espírito de serviço; o desenvolvimento da justiça com uma atenção particular para com as situações de pobreza e sofrimento; o respeito pela autonomia das realidades terrenas; o princípio de subsidiariedade; a promoção do diálogo e da paz no horizonte da solidariedade; são estas as orientações que os cristãos leigos devem inspirar a sua ação política. Todos os crentes, enquanto titulares de direitos e deveres de cidadãos, estão obrigados a respeitar tais orientações; aqueles que têm encargos diretos e institucionais na gestão das complexas problemáticas da coisa pública, seja nas administrações locais, seja nas instituições nacionais e internacionais, deverão tê-los especialmente em conta.

Os encargos de responsabilidade nas instituições sociais e políticas exigem um empenho severo e articulado, que saiba pôr de manifesto, com os contributos de reflexão ao debate político, com o planejamento e com as opções operativas, a absoluta necessidade de uma qualificação moral da vida social e política. Uma atenção inadequada à dimensão moral da vida social e política. Uma atenção inadequada em relação a dimensão moral conduz à desumanização da vida associada e das instituições sociais e políticas, consolidando as «estruturas de pecado»: «Viver e agir politicamente em conformidade com a própria consciência não significa acomodar-se passivamente em posições estranhas ao empenho político ou numa espécie de confessionalismo; é, invés, a expressão com que os cristãos dão o seu coerente contributo para que, através da política, se instaure um ordenamento social mais justo e coerente com a dignidade da pessoa humana».

No contexto do compromisso político do fiel leigo, exige um preciso cuidado a preparação ao exercício do poder, que os crentes devem assumir; especialmente quando são chamados a tais encargos pela confiança dos cidadãos, segundo as regras democráticas. Estes devem apreciar o sistema da democracia, «enquanto assegura a participação dos cidadãos nas opções políticas e garante aos governados a possibilidade quer de escolher e controlar os próprios governantes, quer de os substituir pacificamente, quando tal se torne oportuno» e rejeitar grupos ocultos de poder que pretendem condicionar ou subverter o funcionamento das legítimas instituições. O exercício da autoridade deve assumir o caráter de serviço, que se deve desempenhar sempre no âmbito das leis morais para a consecução do bem comum: quem exerce a autoridade política deve fazer confluir as energias de todos os cidadãos rumo a tal objetivo, não de modo autoritário, mas valendo-se da força moral alimentada pela liberdade.

O empenho político dos católicos é freqüentemente posto em relação com a «laicidade», ou seja, a distinção entre a esfera política e a religiosa. Tal distinção «é um valor adquirido e reconhecido pela Igreja, e faz parte do património de civilização já conseguido». A doutrina moral católica, todavia, exclui claramente a perspectiva de uma laicida concebida como autonomia da lei moral: «A “laicidade”, de fato, significa, em primeiro lugar, a atitude de quem respeita as verdades resultantes do conhecimento natural que se tem do homem que vive em sociedade, mesmo que essas verdades sejam contemporaneamente ensinadas por uma religião específica, pois a verdade é uma só». Buscar sinceramente a verdade, promover e defender com meios lícitos as verdades morais concernentes à vida social ― a justiça, a liberdade, o respeito à vida e aos demais direitos da pessoa ― é direito e dever de todos os membros de uma comunidade social e política.

Quando o Magistério da Igreja se pronuncia sobre questões inerentes à vida social e política, não desatende ás exigências de uma correta interpretação da laicidade, porque «não pretende exercer um poder político nem eliminar a liberdade de opinião dos católicos em questões contingentes. Entende, invés ― como é sua função própria ― instruir e iluminar a consciência dos fiéis, sobretudo dos que se dedicam a uma participação na vida política, para que o seu operar esteja sempre ao serviço da promoção integral da pessoa e do bem comum. O ensinamento social da Igreja não é uma intromissão no governo de cada País. Não há dúvida, porém, que põe um dever moral de coerência aos fiéis leigos, no interior da sua consciência, que é única e unitária».

O princípio da laicidade comporta o respeito de toda confissão religiosa por parte do Estado, «que assegura o livre exercício das atividades cultuais, espirituais, culturais e caritativas das comunidades dos crentes. Numa sociedade pluralista, a laicidade é um lugar de comunicação entre as diferentes tradições espirituais e a nação». 

Um âmbito particular de discernimento dos fiéis leigos diz respeito as escolhas dos instrumentos políticos, ou seja, a adesão a um partido e às outras expressões da participação política. É preciso operar uma escolha coerente com os valores, tendo em conta as circunstâncias efetivas. Em todo o caso, qualquer escolha deve ser radicada na caridade e voltada para a busca do bem comum. As instâncias da fé cristã dificilmente são assimiláveis a uma única posição política: pretender que um partido ou uma corrente política correspondam completamente às exigências da fé e da vida cristã gera equívocos perigosos. O cristão não pode encontrar um partido plenamente às exigências éticas que nascem da fé e da pertença à Igreja: a sua adesão a uma corrente política não será jamais ideológica, mas sempre crítica, a fim de que o partido e o seu projeto político sejam estimulados a realizar formas sempre mais atentas a obter o verdadeiro bem comum, inclusive os fins espirituais do homem.

A distinção, de um lado, entre instâncias da fé e opções sócio-políticas e, de outro lado, as opções de cada cristão e as realizadas pela comunidade cristã enquanto tal, implica que a adesão a um partido ou corrente política seja considerada uma decisão a título pessoal, legítima ao menos nos limites dos partidos e posições não incompatíveis com a fé e os valores cristãos. A escolha do partido, da corrente política, das pessoas a quem confiar a vida pública, mesmo empenhando a consciência de cada um, não pode ser entendida como uma escolha exclusivamente individual: «cabe analisar, com objetividade, a situação própria do seu país e procurar iluminá-la, com a luz das palavras inalteráveis do Evangelho; a elas cumpre, haurir princípios de reflexão, normas para julgar e diretrizes para a ação, na doutrina social da Igreja». Em todo o caso, «a ninguém é permitido reivindicar exclusivamente, em favor do seu parecer, a autoridade da Igreja»: os crentes devem antes procurar «esclarecer-se mutuamente num diálogo sincero, guardando a caridade mútua e tendo, antes de mais, o cuidado do bem comum ».


Jesus, Maria e José,
Nossa Família Vossa É!

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

O que a Igreja Católica ensina sobre a Política?

Aprendendo a Ser Católica

Compêndio da Doutrina Social da Igreja, documento oficial da Igreja Católica elaborado sob encargo do Santo Papa João Paulo II e lançado nos idos de 2004, ao tratar sobre a Comunidade Política ensina e orienta os Católicos o que segue:

I. ASPECTOS BÍBLICOS

"O povo de Israel, na fase inicial da sua história, não tem reis, como os demais povos, porque reconhece tão-somente o senhorio de Iahweh. É Deus que intervém na história através de homens carismáticos, conforme testemunha o Livro dos Juízes. Ao último destes homens, Samuel, o povo pedirá um rei semelhante (cf. 1 Sam 8, 5; 10, 18-19)O protótipo de rei escolhido por Iahweh é Davi, cuja condição humilde o relato bíblico ressalta com complacência (cf. 1 Sam 16, 1-13).

Jesus rejeita o poder opressivo e despótico dos grandes sobre nações (cf. Mc 10, 42) e suas pretensões de fazerem-se chamar benfeitores (cf. Lc 21, 25), mas nunca contesta diretamente as autoridades de seu tempo. Na diatribe sobre o tributo a ser pago a César (cf. Mc 12, 13-17; Mt 22, 15-22; Lc 20, 20-26), Ele afirma que se deve dar a Deus o que é de Deus, condenando implicitamente toda tentativa de divinizar e de absolutizar o poder temporal: somente Deus pode exigir tudo do homem. Ao mesmo tempo o poder temporal tem o direito àquilo que lhe é devido: Jesus não considera injusto o tributo a César.

Jesus, o Messias prometido, combateu e desbaratou a tentação de um messianismo político, caracterizado pelo domínio sobre as nações (cf. Mt 4, 8-11; Lc 4, 5-8). Ele é o Filho do Homem que veio «para servir e entregar a própria vida» (Mc 10, 45; cf. Mt 20, 24-28; Lc 22, 24-27). Aos discípulos que discutem sobre qual é o maior, Jesus ensina a fazer-se último e a servir a todos (cf. Mc 9, 33-35), indicando aos filhos de Zebedeu, Tiago e João, que ambicionam sentar-se à Sua direita, o caminho da cruz (cf. Mc 10, 35-40; Mt 20, 20-23).

A oração pelos governantes, recomendada por São Paulo durante as perseguições, indica explicitamente o que a autoridade política deve garantir: uma vida calma e tranqüila a transcorrer com toda a piedade e dignidade (cf. 1 Tm 2, 1-2)Os cristãos devem estar «prontos para qualquer boa obra» (Tt 3, 1), sabendo «dar provas de toda mansidão para com todos os homens» (Tt 3, 2), conscientes de ter sido salvos não pelas suas obras, mas pela misericórdia de Deus. Sem «o batismo da regeneração e renovação, pelo Espírito Santo, que nos foi concedido em profusão, por meio de Cristo, nosso Salvador» (Tt 3, 5-6), todos os homens são «insensatos, rebeldes, transviados, escravos de paixões de toda a espécie, vivendo na malícia e na inveja, detestáveis, odiando-nos uns aos outros» (Tt 3, 3). Não se deve esquecer a miséria da condição humana, marcada pelo pecado e resgatada pelo amor de Deus.

II. O FUNDAMENTO
E O FIM DA COMUNIDADE POLÍTICA

Magistério afirma que as minorias constituem grupos com direitos e deveres específicos. Em primeiro lugar, um grupo minoritário tem direito à sua própria existência: «Este direito pode ser desatendido de diversas maneiras, até aos casos extremos em que é negado, mediante formas manifestas ou indiretas de genocídio». Ademais, as minorias têm o direito de manter a sua cultura, incluindo a língua, bem como as suas convicções religiosas, incluindo a celebração do culto. Ao reivindicar legitimamente os próprios direitos, as minorias podem ser levadas a procurar uma maior autonomia ou até mesmo a independência: em tais delicadas circunstâncias, diálogo e negociação constituem o caminho para alcançar a pazEm todo caso, o recurso ao terrorismo é injustificável e prejudicaria a causa que se pretende defender. As minorias em também deveres a cumprir, entre eles, antes de mais, a cooperação para o bem comum do Estado em que estão inseridas. Em particular, « um grupo minoritário tem o dever de promover a liberdade e a dignidade de cada um dos seus membros, e de respeitar as opções de cada indivíduo seu, mesmo quando alguém decidisse passar à cultura majoritária».

Considerar a pessoa humana como fundamento e fim da comunidade política significa esforçar-se, antes de mais, pelo reconhecimento e pelo respeito da sua dignidade mediante a tutela e a promoção dos direitos fundamentais e inalienáveis do homem: « No tempo moderno, a atuação do bem comum encontra a sua indicação de fundo nos direitos e nos deveres da pessoa»Nos direitos humanos estão condensadas as principais exigências morais e jurídicas que devem presidir à construção da comunidade política. Tais direitos constituem uma norma objetiva que está na base do direito positivo e que não pode ser ignorada pela comunidade política, porque a pessoa lhe é ontológica e teleologicamente anterior: o direito positivo deve garantir a satisfação das exigências humanas fundamentais.

A comunidade política persegue o bem comum atuando com vista à criação de um ambiente humano em que aos cidadãos seja oferecida a possibilidade de um real exercício dos direitos humanos e de um pleno cumprimento dos respectivos deveres«Atesta a experiência que, faltando por parte dos poderes públicos uma atuação apropriada com “respeito à economia, à administração pública, a instrução”, sobretudo nos tempos atuais, as desigualdades entre os cidadãos tendem a exasperar-se cada vez mais, os direitos da pessoa tendem a perder todo seu conteúdo e compromete-se, ainda por cima, o cumprimento do dever».

A plena realização do bem comum requer que a comunidade política desenvolva, no âmbito dos direitos humanos, uma ação dúplice e complementar, de defesa e de promoção: «Evite-se que, através de preferências outorgadas a indivíduos ou grupos, se criem situações de privilégio. Nem se venha a instaurar o absurdo de, ao intentar a autoridade tutelar os direitos da pessoa, chegue a coarctá-los».

O preceito evangélico da caridade ilumina os cristãos sobre o significado mais profundo da convivência política. Para torná-la verdadeiramente humana, «nada existe de mais importante que desenvolver o sentimento íntimo da justiça, da bondade, a dedicação ao bem comum e tornar mais sólidas as convicções fundamentais acerca da verdadeira natureza da comunidade política e também acerca do reto exercício e dos limites da autoridade pública»O objetivo que os fiéis se devem propor é o da realização de relações comunitárias entre as pessoas. A visão cristã da sociedade política confere o maior relevo ao valor da comunidade, seja como modelo organizativo da convivência, seja como estilo de vida quotidiana.

III. A AUTORIDADE POLÍTICA

O cidadão não está obrigado em consciência a seguir as prescrições das autoridades civis se forem contrárias às exigências da ordem moral, aos direitos fundamentais das pessoas ou aos ensinamentos do Evangelho. As leis injustas põem os homens moralmente retos frente a dramáticos problemas de consciência: quanto são chamados a colaborar em ações moralmente más, têm a obrigação de recusar-se. Além de ser um dever moral, esta recusa é também um direito humano basilar que, precisamente porque tal, a própria lei civil deve reconhecer e proteger: «Quem recorre à objeção de consciência deve ser salvaguardado não apenas de sanções penais, mas ainda de qualquer dano no plano legal, disciplinar, econômico e profissional».

É um grave dever de consciência não prestar colaboração, nem mesmo formal, àquelas práticas que, embora admitidas pela legislação civil, contrastam com a lei de Deus. Tal colaboração, com efeito, nunca pode ser justificada, nem invocando o respeito da liberdade alheia, nem se apoiando no fato de que a lei civil a prevê e exige. À responsabilidade moral pelos atos efetuados ninguém poderá jamais subtrair-se e sobre esta responsabilidade cada qual será julgado pelo próprio Deus (Rm 2, 6; 14, 12).

Reconhecer que o direito natural funda e limita o direito positivo significa admitir que é legítimo resistir à autoridade caso esta viole grave e repetidamente os princípios do direito natural. Santo Tomás de Aquino escreve que «se deve obedecer (...) na medida em que a ordem da justiça assim o exija». Portanto, o fundamento do direito de resistência é direito de natureza.

Diversas podem ser as manifestações concretas que a realização de tal direito pode assumir. Vários podem ser também os fins perseguidos. A resistência à autoridade visa reafirmar a validade de uma diferente visão das coisas, quer quando se procura obter uma mudança parcial, modificando por exemplo algumas leis, quer quando se pugna por uma mudança radical da situação.

A doutrina social indica os critérios para o exercício da resistência«A resistência à opressão do poder político não recorrerá legitimamente às armassalvo quando se ocorrerem conjuntamente as seguintes condições: 
1. em caso de violações certas, graves e prolongadas dos direitos fundamentais
2. depois de ter esgotado todos os outros recursos; 
3. sem provocar desordens piores; 
4. que haja uma esperança fundada de êxito; 
5. se for impossível prever razoavelmente soluções melhores»
A luta armada é contemplada como extremo remédio para pôr fim a uma «tirania evidente e prolongada que ofendesse gravemente os direitos fundamentais da pessoa humana e prejudicasse o bem comum do país». A gravidade dos perigos que o recurso à violência hoje comporta leva a considerar preferível o caminho da resistência passiva, «mais conforme aos princípios morais e não menos prometedor do êxito».

No curso das investigações deve ser escrupulosamente observada a regra que interdita a prática da tortura: «O discípulo de Cristo rejeita todo recurso a tais meios, de modo algum justificável e no qual a dignidade do homem é aviltada tanto naquele que é espancado quanto no seu algoz». Os instrumentos jurídicos internacionais referentes asos direitos do homem indicam justamente a proibição da tortura como um princípio que em circunstância alguma se pode derrogar.

A Igreja vê como sinal de esperança «a aversão cada vez mais difusa na opinião pública à pena de morte — mesmo vista só como instrumento de “legítima defesa” social—, tendo em consideração as possibilidades que uma sociedade moderna dispõe para reprimir eficazmente o crime, de forma que, enquanto torna inofensivo aquele que o cometeu, não lhe tira definitivamente a possibilidade de se redimir». Embora o ensinamento tradicional da Igreja não exclua ― uma vez comprovadas cabalmente a identidade e da responsabilidade do culpado ― a pena de morte «se esta for a única via praticável para defender eficazmente a vida humana contra o agressor injusto», os métodos não cruentos de repressão e de punição são de preferir «porque correspondem melhor às condições concretas do bem comum e estão mais conformes à dignidade da pessoa humana»O crescente número de países que adotam medidas para abolir a pena de morte ou para suspender sua aplicação é também uma prova do fato de que os casos em que os casos em que é absolutamente necessário suprimir o réu «são já muito raros, se não mesmo praticamente inexistentes». A crescente aversão da opinião pública à pena de morte e às várias medidas em vista da sua abolição ou da suspensão da sua aplicação, constituem manifestações visíveis de uma maior sensibilidade moral.

IV. O SISTEMA DA BUROCRACIA

a) Os valores e a democracia

Uma autêntica democracia não é o somente o resultado de um respeito formal de regras, mas é o fruto da convicta aceitação dos valores que inspiram os procedimentos democráticosa dignidade da pessoa humanao respeito dos direitos do homemdo fato de assumir o « bem comum » como fim e critério regulador da vida política. Se não há um consenso geral sobre tais valores, se perde o significado da democracia e se compromete a sua estabilidade.

A doutrina social individua um dos riscos maiores para as atuais democracias no relativismo ético, que induz a considerar inexistente um critério objetivo e universal para estabelecer o fundamento e a correta hierarquia dos valores: «Hoje tende-se a afirmar que o agnosticismo e o relativismo céptico constituem a filosofia e o comportamento fundamental mais idôneos às formas políticas democráticas, e que todos quantos estão convencidos de conhecer a verdade e firmemente aderem a ela não são dignos de confiança do ponto de vista democrático, porque não aceitam que a verdade seja determinada pela maioria ou seja variável segundo os diversos equilíbrios políticos. A este propósito, é necessário notar que, se não existe nenhuma verdade última que guie e oriente a ação política, então as idéias e as convicções podem ser facilmente instrumentalizadas para fins de poder. Uma democracia sem valores converte-se facilmente num totalitarismo aberto ou dissimulado, como a história demonstra». A democracia é fundamentalmente «um “ordenamento” e, como tal, um instrumento, não um fim. O seu caráter « moral » não é automático, mas depende da conformidade com a lei moral, à qual se deve submeter como qualquer outro comportamento humano: por outras palavras, depende da moralidade dos fins que persegue e dos meios que usa».

b) Instituições e democracia

O Magistério reconhece a validade do princípio concernente à divisão dos poderes em um Estado: «é preferível que cada poder seja equilibrado por outros poderes e outras esferas de competência que o mantenham no seu justo limite. Este é o princípio do “Estado de direito”, no qual é soberana a lei, e não a vontade arbitrária dos homens».

No sistema democrático, a autoridade política é responsável diante do povo. Os organismos representativos devem estar submetidos a um efetivo controle por parte do corpo social. Este controle é possível antes de tudo através de eleições livres, que permitem a escolha assim como a substituição dos representantes. A obrigação, por parte dos eleitos, de prestar contas acerca da sua atuação, garantida pelo respeito dos prazos do mandato eleitoral, é elemento constitutivo da representação democrática.

No seu campo específico (elaboração de leis, atividade de governo e controle sobre a mesma), os eleitos devem empenhar-se na busca e na realização de tudo aquilo que possa favorecer ao bom andamento da convivência civil no seu conjunto. A obrigação que os governantes têm de responder aos governados não implica de modo algum que os representantes sejam simples agentes passivos dos eleitores. O controle exercido pelos cidadãos, de fato, não exclui a necessária liberdade de que devem gozar no cumprimento de seu mandato em relação aos objetivos a perseguir: estes não dependem exclusivamente de interesses de parte, mas em medida muito maior da função de síntese e de mediação em vista do bem comum, que constitui uma das finalidades essenciais e irrenunciáveis da autoridade política.

c) Os componentes morais da representação política

Aqueles que têm responsabilidades políticas não devem esquecer ou subestimar a dimensão moral da representação, que consiste no empenho de compartilhar a sorte do povo e em buscar a solução dos problemas sociais. Nesta perspectiva, autoridade responsável significa também autoridade exercida mediante o recurso às virtudes que favorecem o exercício do poder com espírito de serviço (paciência, caridade, modestia, moderação, esforço de partilha); uma autoridade exercida por pessoas capazes de assumir autenticamente como finalidade do próprio agir o bem comum e não o prestígio ou a aquisição de vantagens pessoais.

Entre as deformações do sistema democrático, a corrupção política é uma das mais graves porque trai, ao mesmo tempo, os princípios da moral e as normas da justiça social; compromete o correto funcionamento do Estado, influindo negativamente na relação entre governantes e governados; introduzindo uma crescente desconfiança em relação à política e aos seus representantes, com o conseqüente enfraquecimento das instituições. A corrupção política distorce na raiz a função das instituições representativas, porque as usa como terreno de barganha política entre solicitações clientelares e favores dos governantes. Deste modo, as opções políticas favorecem os objetivos restritos de quantos possuem os meios para influenciá-las e impedem a realização do bem comum de todos os cidadãos.

administração pública, em qualquer nível — nacional, regional, municipal —, como instrumento do Estado, tem por finalidade servir os cidadãos«Posto ao serviço dos cidadãos, o Estado é o gestor dos bens do povo, que deve administrar tendo em vista o bem comum». Contrasta com esta perspectiva o excesso de burocratização, que se verifica quando «as instituições, ao tornarem-se complexas na organização e pretendendo gerir todos os espaços disponíveis, acabam por se esvaziar devido ao funcionalismo impessoal, à burocracia exagerada, aos interesses privados injustos e ao desinteresse fácil e generalizado». O papel de quem trabalha na administração pública não se deve conceber como algo de impessoal e de burocrático, mas como uma ajuda pressurosa para os cidadãos, desempenhado com espírito de serviço.

d) Instrumentos de participação política

Os partidos políticos têm a função de favorecer uma participação difusa e o acesso de todos às responsabilidades públicas. Os partidos são chamados a interpretar as aspirações da sociedade civil orientando-as para o bem comum, oferecendo aos cidadãos a possibilidade efetiva de concorrer para a formação das opções políticas. Os partidos devem ser democráticos no seu interior, capazes de síntese política e de formulação de projetos.

Um outro instrumento de participação política é o referendum, em que se realiza uma forma direta de acesso às escolhas políticas. O instituto da representação, de fato, não exclui que os cidadãos possam ser interpelados diretamente em vista das escolhas de maior relevo da vida social.

e) Informação e democracia

A Informação está entre os principais instrumentos de participação democrática. Não é pensável participação alguma sem o conhecimento dos problemas da comunidade política, dos dados de fato e das várias propostas de solução dos problemas. É necessário assegurar um real pluralismo neste delicado âmbito da vida social, garantindo uma multiplicidade de formas e de instrumentos no campo da informação e da comunicação, facilitando também condições de igualdade na posse e no uso de tais instrumentos mediante leis apropriadas. Entre os obstáculos que se opõem à realização plena do direito à objetividade da informação, merece especial atenção o fenômeno das concentrações editoriais e televisivas, com perigosos efeitos para o inteiro sistema democrático quando a tal fenômeno correspondem liames cada vez mais estreitos entre a atividade governativa, os poderes financeiros e a informação.

Os meios de comunicação social devem ser utilizados para edificar e apoiar a comunidade humana, nos vários setores, economico, politico, cultural, educativo, religioso: «A informação dos meios de comunicação social está a serviço do bem comum. A sociedade tem direito a uma informação fundada sobre a verdade, a liberdade, a justiça e a solidariedade».

V. A COMUNIDADE POLÍTICA
A SERVIÇO DA COMUNIDADE CIVIL

A comunidade política está obrigada regular as próprias relações com comunidade civil de acordo com o princípio de subsidiariedadeé essencial que o crescimento da vida democrática tenha início no tecido social. As atividades da sociedade civil ― sobretudo voluntariado e cooperação no âmbito do privado-social, sinteticamente definido como «setor terciário » para distingui-lo dos âmbitos do Estado e do mercado ― constituem as modalidades mais adequadas para desenvolver a dimensão social da pessoa, que em tais atividades pode encontrar espaço para exprimir-se plenamente. A progressiva expansão das iniciativas sociais fora da esfera estatal cria novos espaços para a presença ativa e para a ação direta dos cidadãos, integrando as funções atuadas pelo Estado. Tal importante fenômeno tem sido freqüentemente atuado por caminhos e com instrumentos largamente informais, dando vida a modalidades novas e positivas de exercício dos direitos da pessoa, que enriquecem qualitativamente a vida democrática.

A cooperação, mesmo nas suas formas menos estruturadas, delineia-se como uma das respostas mais fortes à lógica do conflito e da concorrência sem limites, que hoje se revela prevalente. As relações que se instauram num clima cooperativo e solidário superam as divisões ideológicas, estimulando a busca daquilo que une para além daquilo que divide.

Muitas experiências de voluntariado constituem um ulterior exemplo de grande valor, que leva a considerar a sociedade civil como lugar onde é sempre possível a recomposição de uma ética pública centrada na solidariedadena colaboração concreta, no diálogo fraterno. Em face das potencialidades que assim se manifestam, os católicos são chamados a olhar com confiança e a oferecer própria obra pessoal para o bem da comunidade em geral e, em particular, para o bem dos mais fracos e dos mais necessitados. É também dessa forma que se afirma o princípio da «subjetividade da sociedade».


Nossa Senhora, Mãe da Misericórdia, rogai por nós!

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Eleições e os Princípios da Doutrina Social da Igreja

Aprendendo a Ser Católica


Estamos em ano eleitoral no Brasil e a maioria dos católicos devem votar. 
As eleições em muitos locais estão acirradas e, para Presidente, um tanto polarizada.

Mas, o católico deve observar e ter em mente ao escolher os seus candidatos o que a Igreja Católica ensina através da Doutrina Social da Igreja (DSI), um documento que muitos desconhecem e confundem os seus ensinamentos com a Teologia da Libertação, mas não é!


"Este Documento entende apresentar de maneira abrangente e orgânica, se bem que sinteticamente, o ensinamento social da Igreja, fruto da sapiente reflexão magisterial e expressão do constante empenho da Igreja na fidelidade à Graça da salvação de Cristo e na amorosa solicitude pela sorte da humanidade. Os aspectos teológicos, filosóficos, morais, culturais e pastorais mais relevantes deste ensinamento são aqui organicamente evocados em relação às questões sociais. Destarte é testemunhada a fecundidade do encontro entre o Evangelho e os problemas com que se depara o homem no seu caminho histórico.

A doutrina social é parte integrante do ministério de evangelização da Igreja. Daquilo que diz respeito à comunidade dos homens — situações e problemas referentes à justiça, à libertação, ao desenvolvimento, às relações entre os povos, à paz — nada é alheio à evangelização e esta não seria completa se não levasse em conta o recíproco apelo que se continuamente se fazem o Evangelho e a vida concreta, pessoal e social do homem. Entre evangelização e promoção humana há laços profundos: «laços de ordem antropológica, dado que o homem que há de ser evangelizado não é um ser abstrato, mas é sim um ser condicionado pelo conjunto de problemas sociais e econômicos; laços de ordem teológica, porque não se pode nunca dissociar o plano da criação do plano da Redenção, um e outro a abrangerem as situações bem concretas da injustiça que deve ser combatida e da justiça a ser restaurada; laços daquela ordem eminentemente evangélica, qual é a ordem da caridade: como se poderia proclamar o mandamento novo sem promover na justiça e na paz o verdadeiro e autêntico progresso do homem?»

A doutrina social da Igreja não foi pensada desde o princípio como um sistema orgânico; mas foi se formando pouco a pouco, com progressivos pronunciamentos do Magistério sobre os temas sociais. A doutrina social, portanto, é de natureza teológica e especificamente teológico-moral, «tratando-se de uma doutrina destinada a orientar o comportamento das pessoas». A doutrina social tem o seu fundamento essencial na Revelação bíblica e na Tradição da Igreja. A fé e a razão constituem as duas vias cognoscitivas da doutrina social, em sendo duas as fontes nas quais esta haure: a Revelação e a natureza humana.

A locução doutrina social remonta a Pio XI e designa o corpus doutrinal referente à sociedade que, a partir da Encíclica Rerum novarum (1891) de Leão XIII, se desenvolveu na Igreja através do Magistério dos Romanos Pontífices e dos Bispos em comunhão com eles. A solicitude social certamente não teve início com tal documento, porque a Igreja jamais deixou de se interessar pela sociedade; não obstante a Encíclica «Rerum novarum» dá início a um novo caminho: inserindo-se numa tradição plurissecular, ela assinala um novo início e um substancial desenvolvimento do ensinamento em campo social."

E quais os Princípios a serem analisados ao escolher os Candidatos?

"Os princípios permanentes da doutrina social da Igreja constituem os verdadeiros e próprios gonzos do ensinamento social católico: trata-se do princípio da dignidade da pessoa humana no qual todos os demais princípios ou conteúdos da doutrina social da Igreja têm fundamento, do bem comum, da subsidiariedade e da solidariedade. Estes princípios, expressões da verdade inteira sobre o homem conhecida através da razão e da fé, promanam «do encontro da mensagem evangélica e de suas exigências, resumidas no mandamento supremo do amor com os problemas que emanam da vida da sociedade». A Igreja, no curso da história e à luz do Espírito, refletindo sapientemente no seio da própria tradição de fé, pôde dar-lhes fundamentação e configuração cada vez mais acuradas, individualizando-os progressivamente no esforço de responder com coerência às exigências dos tempos e aos contínuos progressos da vida social."

1. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

"Uma sociedade justa pode ser realizada somente no respeito pela dignidade transcendente da pessoa humana. Esta representa o fim último da sociedade, que a ela é ordenada: «Também a ordem social e o seu progresso devem subordinar-se constantemente ao bem da pessoa, visto que a ordem das coisas deve submeter-se à ordem pessoal e não o contrário». O respeito pela dignidade da pessoa não pode absolutamente prescindir da obediência ao princípio de considerar «o próximo como “outro eu”, sem excetuar nenhum, levando em consideração antes de tudo a sua vida e os meios necessários para mantê-la dignamente». É necessário, portanto, que todos os programas sociais, científicos e culturais sejam orientados pela consciência do primado de cada ser humano.

A pessoa não pode ser instrumentalizada para projetos de caráter econômico, social e político impostos por qualquer que seja a autoridade, mesmo que em nome de pretensos progressos da comunidade civil no seu conjunto ou de outras pessoas, no presente e no futuro. È necessário portanto que as autoridades públicas vigiem com atenção, para que toda a restrição da liberdade ou qualquer gênero de ônus imposto ao agir pessoal nunca seja lesivo da dignidade pessoal e para que seja garantida a efetiva praticabilidade dos direitos humanos. Tudo isto, uma vez mais, se funda na visão do homem como pessoa, ou seja, como sujeito ativo e responsável do próprio processo de crescimento, juntamente com a comunidade de que faz parte. A todos, e de modo particular àqueles que de qualquer modo detêm responsabilidades políticas, jurídicas ou profissionais em relação aos outros, incumbe o dever de ser consciência vígil da sociedade e, eles mesmos por primeiro, ser testemunhas de uma convivência civil e digna do homem.

O movimento rumo à identificação e à proclamação dos direitos do homem é um dos mais relevantes esforços para responder de modo eficaz às exigências imprescindíveis da dignidade humana. A Igreja entrevê em tais direitos a extraordinária ocasião que o nosso tempo oferece para que, mediante o seu afirmar-se, a dignidade humana seja mais eficazmente reconhecida e promovida universalmente como característica impressa pelo Deus Criador na Sua criatura. O Magistério da Igreja não deixou de apreciar positivamente a Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada pelas Nações Unidas em 10 de Dezembro de 1948, que João Paulo II definiu como «uma pedra miliária no caminho do progresso moral da humanidade»."

2. Princípio do Bem Comum

"Da dignidade, unidade e igualdade de todas as pessoas deriva, antes de tudo, o princípio do bem comum, a que se deve relacionar cada aspecto da vida social para encontrar pleno sentido. Segundo uma primeira e vasta acepção, por bem comum se entende: «o conjunto de condições da vida social que permitem, tanto aos grupos, como a cada um dos seus membros, atingir mais plena e facilmente a própria perfeição». 

A responsabilidade de perseguir o bem comum compete, não só às pessoas consideradas individualmente, mas também ao Estado, pois que o bem comum é a razão de ser da autoridade política. O indivíduo humano, a família, as corpos intermédios não são capazes por si próprias de chegar ao seu pleno desenvolvimento; daí serem necessárias as instituições políticas, cuja finalidade é tornar acessíveis às pessoas os bens necessários — materiais, culturais, morais, espirituais — para levar uma vida verdadeiramente humana. A correta conciliação dos bens particulares de grupos e de indivíduos é uma das funções mais delicadas do poder público. Além disso, não se há de olvidar que, no Estado democrático — no qual as decisões são geralmente tomadas pela maioria dos representantes da vontade popular —, aqueles que têm responsabilidade de governo estão obrigados a interpretar o bem comum do seu País, não só segundo as orientações da maioria, mas também na perspectiva do bem efetivo de todos os membros da comunidade civil, inclusive dos que estão em posição de minoria.

Vale lembrar que, dentre as multíplices implicações do bem comum, assume particular importância o princípio da destinação universal dos bens e que a tradição cristã nunca reconheceu o direito à propriedade privada como absoluto e intocável: «pelo contrário, sempre o entendeu no contexto mais vasto do direito comum de todos a utilizarem os bens da criação inteira: o direito à propriedade privada está subordinado ao direito ao uso comum, subordinado à destinação universal dos bens». O princípio da destinação universal dos bens requer, ainda, que se cuide com particular solicitude dos pobres, daqueles que se acham em posição de marginalidade e, em todo caso, das pessoas cujas condições de vida lhes impedem um crescimento adequado."

3. Princípio da Subsidiariedade

"A subsidiariedade está entre as mais constantes e características diretrizes da doutrina social da Igreja, presente desde a primeira grande encíclica social. É impossível promover a dignidade da pessoa sem que se cuide da família, dos grupos, das associações, das realidades territoriais locais, em outras palavras, daquelas expressões agregativas de tipo econômico, social, cultural, desportivo, recreativo, profissional, político, às quais as pessoas dão vida espontaneamente e que lhes tornam possível um efetivo crescimento social. É este o âmbito da sociedade civil, entendida como o conjunto das relações entre indivíduos e entre sociedades intermédias, que se realizam de forma originária e graças à «a subjetividade criativa do cidadão». A rede destas relações inerva o tecido social e constitui a base de uma verdadeira comunidade de pessoas, tornando possível o reconhecimento de formas mais elevadas de sociabilidade.

Com base neste princípio, todas as sociedades de ordem superior devem pôr-se em atitude de ajuda («subsidium») — e portanto de apoio, promoção e incremento — em relação às menores. Desse modo os corpos sociais intermédios podem cumprir adequadamente as funções que lhes competem, sem ter que cedê-las injustamente a outros entes sociais de nível superior, pelas quais acabariam por ser absorvidos e substituídos, e por ver-se negar, ao fim e ao cabo, dignidade própria e espaço vital.

À subsidiariedade entendida em sentido positivo, como ajuda econômica, institucional, legislativa oferecida às entidades sociais menores, corresponde uma série de implicações em negativo, que impõem ao Estado abster-se de tudo o que, de fato, restringir o espaço vital das células menores e essenciais da sociedade. Não se deve suplantar a sua iniciativa, liberdade e responsabilidade."

4. Princípio da Solidariedade

"A solidariedade confere particular relevo à intrínseca sociabilidade da pessoa humana, à igualdade de todos em dignidade e direitos, ao caminho comum dos homens e dos povos para uma unidade cada vez mais convicta. Nunca como hoje, houve uma consciência tão generalizada do liame de interdependência entre os homens e os povos, que se manifesta em qualquer nível. A rapidíssima multiplicação das vias e dos meios de comunicação «em tempo real», como são os telemáticos, os extraordinários progressos da informática, o crescente volume dos intercâmbios comerciais e das informações estão a testemunhar que, pela primeira vez desde o início da história da humanidade, ao menos tecnicamente, é já possível estabelecer relações também entre pessoas muito distantes umas das outras ou desconhecidos.

A mensagem da doutrina social acerca da solidariedade põe de realce a existência de estreitos vínculos entre solidariedade e bem comum, solidariedade e destinação universal dos bens, solidariedade e igualdade entre os homens e os povos, solidariedade e paz no mundo."


Jesus de Nazaré faz resplandecer aos olhos de todos os homens o nexo entre solidariedade e caridade, iluminando todo o seu significado



Nossa Senhora de La Sallete, rogai por nós!
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