Assumir os cabelos brancos expõe o corpo tal como é, encarando o
que nos está a acontecer a todos: envelhecer. Falámos com mulheres que
tomaram essa decisão e não querem voltar atrás.
Nos últimos anos afirmou-se várias vezes que o cinzento é o novo
preto. Os mais de 50 tons de cinzento estão na moda não só na roupa, mas
também no cabelo. Rihanna, Cara Delevingne ou Lady Gaga adotaram a
certa altura os cabelos brancos. Pela internet, a hashtag
#grannyhair revela milhares de mulheres jovens que descoloraram ou
pintaram o cabelos de branco, sem que isso tenha feito delas avozinhas.
É
um paradoxo fácil de perceber que os únicos cabelos brancos que não
estão na moda sejam os naturais, aqueles que aparecem com a idade (ou
não), os que não se escolhem como e onde devem aparecer: o ideal é a
juventude e, em alguns casos, o cabelo é o primeiro a lembrar-nos que o
tempo continua a correr, o futuro e a velhice são inevitáveis. “E
então?”, perguntam as quatro mulheres que se seguem, entre os 45 e os 64
anos. Todas elas assumem os seus cabelos brancos de olhos fixos no
inegável cronómetro e desafiadores para a sociedade. Não são invisíveis, como diz o mito das mulheres de cabelos grisalhos; pelo contrário, toda a gente repara nelas.
Mantêm o cabelo assim porque é bonito, porque não têm tempo ou dinheiro
para a manutenção de um cabelo bem pintado, porque querem levantar o
queixo e dizer que estão presentes como são, sem pedirem desculpas. Para
todas foi uma escolha que lhes libertou a cabeça de quaisquer pressões e
que nos permitiu falar do que é estético, político e da velhice.
Kimberley Pearl, 64 anos, bailarina e atriz na Companhia Maior
Sempre gostou dos seus cabelos brancos?
Primeiro fiquei um bocado chateada quando começaram a aparecer — um não importa, mas depois começam a chegar muitos, muitos. Tinha colegas que diziam “com a tua idade não devias ter o cabelo assim, és tão jovem de espírito, devias ter o cabelo pintado”. Então pus henna. Já tinha pintado por causa de várias peças em que dançava, por exemplo — tive de ser cigana e pintei o cabelo com seis cores escuras diferentes para ficar escuro mas com reflexos. Durou seis ou oito meses e ficou de todas as cores até sair — gostei imenso, mudei o guarda-fato todo por causa das cores do cabelo. Fiz montes de coisas com o meu cabelo, cortei, deixei crescer, uma vez estava a pôr henna em casa e deixei demasiado tempo porque estava a falar com uma pessoa. Fiquei com uma coroa de laranja, não conseguia tirar. Decidi pedir [ajuda] a uma cabeleireira, fiquei lá quase o dia inteiro. Ela coloriu o cabelo todo e depois fez madeixas e no fim daquele tempo todo — estava marcado para as nove da manhã, fiquei até às cinco da tarde, e odiava estar lá dentro — vi uma senhora chegar com um cabelo natural, preto e branco, sal e pimenta, tão lindo aquele cabelo, e disse: “nunca mais”.
Kimberley
nasceu no Alabama e isso ainda se nota na sua pronúncia. Quando chegou à
Europa, aos 21 anos, já se tinha formado como bailarina em Boston e
ficou em Portugal porque “estava bom tempo”. Também porque entrou logo
para a Companhia de Bailado Verde-Gaio, que mais tarde deu origem à
Companhia Nacional de Bailado, de que também fez parte. À saída de uma
aula de dança com vista para o Tejo diz que ainda gostava de voltar a
fazer trabalhos de modelo, como o que fez em março de 2016 para Filipe
Faísca na ModaLisboa. Era uma coleção que o designer dizia ser “sem
idade” e foi Kim, de cabelo branco armado num rabo de cavalo despenteado
que deu o tom ao abrir o desfile. “Curiosamente nunca fui modelo de
cabelos”, diz, enquanto arranja uma justificação — “o meu cabelo é muito
forte e eles têm medo”.
Decidiu assim, de um momento para o outro?
Assim. Eu vi que isto é natural, isto é que é bonito. Por mais que uma pessoa faça madeixas e por mais que tente fazer coisas para realçar, a cor é sempre a mesma, sempre o mesmo tom. E a cor natural tem montes de cores, ninguém tem só uma. Para fazer como deve ser tinha de ir ao cabeleireiro e eu não gosto de estar sentada no cabeleireiro. A manutenção é chata: uma pessoa olha para o espelho e está lindíssimo, mas depois vêm as raízes e é feio, tem de estar sempre a contar as semanas, é um frete. E aquele dia foi mesmo desastroso para mim, estar ali tantas horas. Quando vi aquela senhora vi que nunca mais ia pintar o meu cabelo.
Que idade tinha?
Tinha uns 57. Comecei a ter os primeiros cabelos brancos aos 50 e poucos, aos 54 já estava a experimentar coisas, como a henna e assim — tentei sempre coisas naturais, mas quando fui dessa vez ao cabeleireiro foi com os produtos deles. Depois demorou assim uns quatro ou cinco anos para crescer e depois cortei. Eu adoro o cabelo branco, sempre tive uma pancada com cabelo branco, até tive uma Barbie com cabelo branco, loiro platinado.
Sendo assim, porque é que demorou a abraçar os cabelos brancos?
O meu pai aos 65 já tinha o cabelo todo branquinho e eu pensava “ótimo, também vou ter assim”. Só que eu não me lembrava que o meu pai começou por ter só alguns cabelos brancos de lado, mas nos homens fica giro, nas mulheres vem alguém e diz “ah! isso não fica giro”. Além disso, pensei: se trato do cabelo distraio das rugas, mas não há nada a fazer, as rugas são o pior, não há nada que uma pessoa possa fazer. Mas demora muito tempo a tirar tudo. O mais difícil é não tocar, estar meio colorido e meio com as raízes. Essa parte foi dolorosa. Mas nós fazíamos tantos penteados na dança — eu ainda estava ativa — que não fazia mal, escondiam-se.
"A manutenção [de pintar o cabelo] é chata: uma pessoa
olha para o espelho e está lindíssimo, mas depois vêm as raízes e é
feio, tem de estar sempre a contar as semanas, é um frete."
Teve uma carreira em que se é muito atento ao aspeto físico. Como é que foi estar a trabalhar nesse momento da transição?
Somos muito atentos à estética. Eu era muito desleixada com as raízes, não tinha o hábito de estar sempre a pintar durante o tempo em que andava em experimentações. Ou então cortava para disfarçar. Tinha duas ou três colegas que não gostavam muito disso, mas eu entendo: eu estava com eles todos os dias e não gostavam de ver-me envelhecer. Uma vez o meu filho disse-me “que triste, mãe, eu conheci-te assim com o cabelo escuro, agora tens o cabelo branco”. E eu disse-lhe “mas todos nós estamos a envelhecer”. Quando nos vemos todos os dias é diferente. Entretanto separei-me da Companhia, fui para Grândola dois anos e foi uma coisa estranha também.
Vai mantê-lo assim, branco?
Queria que fosse todo branquinho como o do meu pai. E ainda não está, chateia-me que não esteja, uma pessoa nunca está satisfeita com aquilo que tem. A pessoa com a idade começa a perceber o que gostava de ter, mas também percebe que não tem ainda e tem paciência para esperar. Em jovem não tem, pinta logo, ou então faz madeixas. Mas [no manter ou não manter entra] sempre a questão da manutenção. Não tenho dinheiro para isso, é muito difícil ficar sempre com o cabelo bonito sem uma manutenção pelo menos mensal. Nos Estados Unidos nunca tive esse hábito de ir ao cabeleireiro, isso é mais europeu. As pessoas gostam de estar bem, de se sentirem bem consigo próprias. E às vezes quando uma pessoa já não trabalha, as crianças já cresceram e não existe uma ocupação, olha para si e a única coisa que resta é ir ao cabeleireiro tratar do cabelo, das unhas, arranjar-se e ir jantar fora. E vejo que há mulheres que têm o cabelo natural porque não têm dinheiro para o ter pintado. Se houvesse alguém que lhes dissesse “ficas bem assim”, que lhe fizesse um elogio, talvez já se preocupassem mais com a saúde e a cabeça e não tanto com o cabelo branco.
"Vejo que há mulheres que têm o cabelo natural porque
não têm dinheiro para o ter pintado. Se houvesse alguém que lhes
dissesse 'ficas bem assim', que lhe fizesse um elogio, talvez já se
preocupassem mais com a saúde e a cabeça e não tanto com o cabelo
branco."
Viu o cabelo como um sinal de que estava a envelhecer?
Não. O corpo também está sempre contra nós, no geral. Já não consigo levantar a perna — penso que ela está aqui [aponta para a altura da sua orelha], olho ao espelho e está aqui [aponta para a altura do ombro]. Doem-me as costas, não tenho musculatura. Pesa um bocadinho ver pessoas com 18 e 19 anos que conseguem fazer isso. Mas por outro lado ganham-se outras coisas. Ganho a capacidade de pôr um estilo que eu não tinha com 21 anos como tinha com 40. E mesmo agora, faço muito mais braços e consigo mexer-me muito mais com estabilidade do que quando tinha 23 anos. Para nós mulheres há sempre alguma coisa que não está bem. Com o cabelo, por exemplo, eu percebi que não podia andar a brincar e experimentar — cortava e crescia como um arbusto, fazia permanente, parecia uma leoa. Não somos iguais aos outros, temos de aceitar aquilo que temos e trabalhar com isso.
Maria Santíssima, rogai por nós!
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentário sujeito a moderação.
Perguntas podem ser respondidas em novas postagens, para saber, clique no Marcador: "Respostas"
Que Deus os abençõe.
Obrigada