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quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Elas não têm medo dos cabelos brancos (II)!

 
Assumir os cabelos brancos expõe o corpo tal como é, encarando o que nos está a acontecer a todos: envelhecer. Falámos com mulheres que tomaram essa decisão e não querem voltar atrás. 

Nos últimos anos afirmou-se várias vezes que o cinzento é o novo preto. Os mais de 50 tons de cinzento estão na moda não só na roupa, mas também no cabelo. Rihanna, Cara Delevingne ou Lady Gaga adotaram a certa altura os cabelos brancos. Pela internet, a hashtag #grannyhair revela milhares de mulheres jovens que descoloraram ou pintaram o cabelos de branco, sem que isso tenha feito delas avozinhas.

É um paradoxo fácil de perceber que os únicos cabelos brancos que não estão na moda sejam os naturais, aqueles que aparecem com a idade (ou não), os que não se escolhem como e onde devem aparecer: o ideal é a juventude e, em alguns casos, o cabelo é o primeiro a lembrar-nos que o tempo continua a correr, o futuro e a velhice são inevitáveis. “E então?”, perguntam as quatro mulheres que se seguem, entre os 45 e os 64 anos. Todas elas assumem os seus cabelos brancos de olhos fixos no inegável cronómetro e desafiadores para a sociedade. Não são invisíveis, como diz o mito das mulheres de cabelos grisalhos; pelo contrário, toda a gente repara nelas.

Mantêm o cabelo assim porque é bonito, porque não têm tempo ou dinheiro para a manutenção de um cabelo bem pintado, porque querem levantar o queixo e dizer que estão presentes como são, sem pedirem desculpas. Para todas foi uma escolha que lhes libertou a cabeça de quaisquer pressões e que nos permitiu falar do que é estético, político e da velhice.
 Susana Gomes, 51 anos, socióloga

Sentia-se pressionada a pintar o cabelo quando começou a fazê-lo, aos 30 anos?

Sim, porque é aquela questão: ainda tens uma cara jovem mas com o cabelo branco. O cabelo branco envelhece a pessoa pelo menos mais dez anos. É a questão do envelhecimento que está em causa. O que é bom é a pessoa não aparentar a idade que tem. A nível familiar, imagine o que é ter irmãs bastante mais velhas que pintam o cabelo e a mais nova tem o cabelo branco… Toda a gente quer que eu pinte o cabelo rapidamente, se não é um paradoxo — como é que a pessoa mais nova da família tem cabelos brancos?

No fundo, não é só o seu envelhecimento que está em causa, é também o das pessoas à sua volta.

É, porque isto vem expor a questão da passagem do tempo. É uma espécie de pacto não assumido por todos: toda a gente pinta, portanto estamos todos ótimos, isto é o que pode ser controlado no processo de envelhecimento. Também há quem faça plásticas, que também é uma tentativa de controlo e negação da passagem do tempo, mas esta é mais acessível e menos complicada.

A inversão de todos os padrões acontece quando Susana Gomes, com o seu cabelo cortado de fresco, sai à rua com o filho, de cabelo comprido. Já ouviu comentários em surdina mas diz que é normal, “as coisas estão todas encadeadas de maneira a que isso aconteça”. Nascida em Lisboa e completamente urbana — em pequena fazia-lhe falta uma “terra” onde ir passar os Natais — acabou por seguir pela sociologia rural e do ambiente. A poucos dias do fim do ano, Susana meteu-se no carro inesperadamente e foi direita a um cabeleireiro perto de casa, em Oeiras, para cortar o cabelo. Nem foi ao cabeleireiro habitual para que não lhe propusessem outra coisa que não a solução definitiva.

Quando tomou a decisão de manter os cabelos brancos?

Eu cortei o cabelo dois dias antes do final do ano, por isso não foi uma decisão de ano novo, foi de ano velho.

"Senti-me bem, senti sobretudo que estava outra vez a controlar o meu cabelo — até porque tenho um cabelo muito forte, ondulado, o meu cabelo sempre fez o que quis." 

Susana Gomes 
E quando cortou a ideia foi mesmo não o voltar a pintar mais? Cortou para eliminar o pintado?

Foi. Estava naquela fase horrorosa que era a indecisão: metade estava preto e branco, junto à raiz, e o resto, nas pontas, ainda com uns restos de tinta — acho que pinto o cabelo desde há 20 anos para cá. Por volta dos 30 anos comecei a fazer aquelas coisas mais ligeiras, mas já para disfarçar os brancos. Sempre tive o cabelo muito preto, muito escuro e quando surgiram os primeiros brancos notava-se muito. É muito difícil deixar crescer as raízes, é um processo por que não me apetecia passar. Parece que a pessoa tem de explicar porque é que não pinta o cabelo, ou pedir desculpa, e a mim não me apetecia dar explicações nenhumas. Apesar de agora dar por mim a explicar porque cortei tão curto.

Aí tem de explicar que é porque quer ter cabelos brancos. Como é que as pessoas reagem a essa vontade?

Têm reações diferentes. As que estão a passar por este momento são críticas, negativas: “Isso é uma disparate, parece que tens mais 10 anos”, “não vais resistir, vais voltar a pintar”, “que mal que te fica”. Outras pessoas dizem que fica bem. Eu própria fiquei surpreendida com a quantidade de cabelos que tinha, não tinha essa perceção. Um corte de cabelo destes revela cruamente essa realidade.


Deve ser um momento interessante de confronto com o próprio corpo. Qual foi a sua reação?

Fiquei surpreendida por ter tantos brancos, não tinha de todo essa perceção. Às vezes achava que podia ter tantos brancos como escuros, outras que ainda predominavam os escuros, mas não, nesta altura acho que já tenho mais brancos. Mas senti-me bem, [senti] sobretudo que estava outra vez a controlar o meu cabelo — até porque tenho um cabelo muito forte, ondulado, o meu cabelo sempre fez o que quis. Agora vou deixá-lo mesmo ser como ele é. Não tenciono voltar a pintar, está mesmo fora dos planos, até porque isso seria uma cedência, era a negação do statement, e não me apetece fazer isso. E também não me apetece estar a explicar por que não há-de ser natural, não se explica. Apesar de, em termos sociais, a norma absolutamente uniformizada e vigente é a das mulheres pintarem os cabelos até bastante tarde. Em termos culturais acho que neste momento há espaço para contornar esse tabu dos cabelos brancos em mulheres. As mulheres continuam a ter vidas ativas até tarde, têm relacionamentos, não é mais aquela questão de a mulher deixar de pintar o cabelo quando já não espera nada, quando está retirada da vida profissional e afetiva.

Como é que tomou esta decisão?

Eu passei uma fase em que observava as pessoas na rua — as pessoas não, as mulheres concretamente, a tinta do cabelo delas — e estabelecia umas comparações: aquela é uma tinta boa, aquela é uma tinta má, aquela fica horrível. Vi uma atriz de Hollywood, a Jamie Lee Curtis, que cortou o cabelo e está a assumir os brancos e de facto, quando eu olhei para aquela mulher achei que ela estava muito melhor assim do que antes. É como se fosse um statement, porque há um pretenso ideal de juventude ligado a uma coisa não natural. Isto é como eu estou agora, é o que quero ser e não vou disfarçar o que sou agora, não faz sentido. Se calhar também corresponde a uma fase da minha vida e é mais fácil tomar esta decisão agora do que seria há uns tempos. Mas de facto não é só deixar de pintar os cabelos porque sim, é o assumir de uma posição.

Não é uma mera inação.

Não, não é. Não é “não pinto o cabelo”; é “não, não pinto o cabelo”. Nos próprios cabeleireiros, por razões comerciais óbvias, há alguma resistência. Eu entrei lá e as senhoras diziam “nem posso pensar que nunca mais vai pintar”. O compromisso era ir cortando tudo o que era pintado. Ela ia cortando e parando e eu “não. Mais, mais”, até ficar neste estado. E no final: pessoas surpreendidas com um ar de Deus me livre, e algumas, “parabéns, que coragem! Quem me dera fazer o mesmo”. Eu acho que se caminha para uma desvalorização da pintura. Durante alguns anos cá em Portugal todas as mulheres tinham o cabelo pintado das mesmas cores — aquelas madeixas amarelas, desbotadas, que parecia que lavavam a cabeça com lixívia. Eu penso que a questão dos cabelos brancos vai começar a ser assumida e não pelas mulheres mais velhas, provavelmente por algumas mulheres mais novas que ainda sentem que têm a opção.

 Não ponderou os cabelos brancos antes?

Tem a ver com uma fase da minha vida em que quero ver as coisas de uma maneira mais natural, com menos artifícios. E por questões práticas de não ter de ir ao cabeleireiro todas as semanas ou todos os meses, não ter de estar preocupada com “já se veem as raízes?” — isso para mim já não estava a dar. Coincidiu ter um corte de cabelo com que não me sentia bem e por isso decidi ser radical. Era uma possibilidade que andava à procura de uma oportunidade.

Qual foi a reação do seu filho [de 18 anos]?

Ele odiava o corte de cabelo que eu tinha, fiquei com a sensação que ficou aliviado — era um pouco desgrenhado. Não ficou encantado mas não se pronunciou negativamente. Acho que foi confrontado com o facto de eu ter tantos cabelos brancos, porque fez realmente muita diferença. A minha mãe não gosta, os meus irmãos mais velhos não gostam, as minhas sobrinhas também não gostam… Se calhar é mais fácil ver quem é que gosta [risos].

Então a pressão social ainda não diminuiu.

Não, mas não sou sensível a isso.

"Eu penso que a questão dos cabelos brancos vai começar a ser assumida e não pelas mulheres mais velhas, provavelmente por algumas mulheres mais novas que ainda sentem que têm a opção."

Susana Gomes 
Como é que se sente com este cabelo?

Espero que cresça mais um bocadinho, porque está muito curtinho. É uma coisa que dá nas vistas e eu não gosto de dar nas vistas. No outro dia estava a falar com uma pessoa que não conheço muito bem e percebi que a pessoa se estava a interrogar se eu estaria doente, portanto, neste momento ainda é um pouco chamativo. Mas não me arrependo minimamente.

Acha bonito?

Acho que é o meu cabelo, sou eu. É pacífico, convivo bem com ele. Seria muito mais fácil continuar a pintar, porque a pessoa está a corresponder a um modelo que é o mais comummente divulgado e aceite. Mas seria de todo inesperado voltar atrás. É preciso mais coragem para manter do que para tomar a decisão. Tomar a decisão pode ser mais um impulso, mantê-la é que provavelmente é mais difícil.
Fonte: Observador

Nossa Senhora de Lourdes, rogai por nós!

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