postado em 10/09/2017 08:00
/ atualizado em 10/09/2017 11:37
Amanda Carvalho - Especial para o Correio
Amanda Carvalho - Especial para o Correio
Assumir
os fios brancos, além de dedicação, exige um bom relacionamento consigo
mesmo e coragem para a aceitação. Cada dia, a moda dos grisalhos ganha
mais adeptos — muitas vezes, um desafio para as mulheres, que, aos
poucos, se livram das tintas e do culto à eterna juventude. A tarefa não
é fácil, mas dar esse passo pode mudar não só uma imagem vista no
espelho, mas, sobretudo, a forma como a vida é vivida, com mais leveza.
Levantamento
da FSBPesquisa, encomendado pela Avon, constatou que 14,4% das mulheres
acima dos 45 anos já adotam o estilo platinado nos cabelos. E mais:
61,1% gostam da ideia de assumir os brancos. Para essa parcela de
entrevistadas, mais que uma simples rebeldia aos padrões de beleza, esse
é um sinal de atitude.
Por
todos os lugares, é possível observar que o estilo é bem-vindo. Na
internet, blogueiras americanas se reuniram para ajudar mulheres que,
assim como elas, desejam passar pela revolução grisalha — nome dado ao
site em inglês, Revolution Gray. Lá, é possível encontrar imagens e a
história de transição de cada uma das quatro participantes que adotaram
os fios brancos antes dos 50. A página traz ainda dicas, compartilha
experiências tocantes e dá informações para pessoas que estão passando
pelo mesmo processo.
Nas
telas, várias atrizes destacam a beleza do cabelo grisalho.
Recentemente, Sophie Fontanel, escritora e jornalista francesa
especializada em moda, usou o tema como inspiração para lançar sua mais
recente obra. No livro Une apparition, sem tradução para o português,
relata a experiência de dar adeus às tinturas e os aceitar os fios
naturalmente brancos — processo também compartilhado, em todas as
etapas, com os mais de 100 mil seguidores nas redes sociais.
A
tendência de assumir os fios brancos chegou à Europa, originária dos
Estados Unidos, e se popularizou há alguns anos. Mulheres de 30, 40, 50
anos ou mais idade passaram a expressar, por meio dos cabelos, que
estavam fartas de se submeter a pinturas regulares e a sofrer com os
produtos químicos. Cabeleireiros e profissionais da área aproveitam a
fase para propor soluções inovadoras durante o período de transição e
para atenuar o efeito bicolor. Enquanto isso, aumenta a procura por
produtos que evitam o tom amarelado nos fios grisalhos.
Por
aqui, as brasileiras também lutam pela aceitação e pelo empoderamento
dessa revolução. “Assumir essas mudanças significa aumentar a
autoestima. As mulheres começam a entender que é possível viver com os
cabelos brancos e, mesmo assim, continuarem jovens, saudáveis,
interessantes e, acima de tudo, belas”, ressalta Amsha Carvalho,
psicóloga parceira do Hospital Anchieta.
Quem
ouve um pouco da história da funcionária pública Cristina Oliveira, 53
anos, entende que, para ela, a transição do cabelo castanho-escuro para o
grisalho veio de forma bastante natural. Ela conta que um dia, quando
passava a escova nas madeixas, notou alguns fios brancos. “Descobri que
já tinha uma mecha bem grisalha. E achei o máximo! A partir daí, só
arrumava o cabelo de uma forma que ela pudesse ficar bem exposta.”
Apesar
da pressão da família e do próprio cabeleireiro em esconder a tal
mecha, Cristina não se deixou abalar e bancou a decisão: mudou de salão e
tratou com naturalidade as opiniões dos parentes. “Nunca pintei o
cabelo. Sempre fui bem resolvida comigo mesma e tive muita convicção do
que queria. Aceitar os grisalhos não foi nada”, afirma. Desde que
começaram a aparecer, há oito anos, os cabelos brancos foram encarados
pela servidora pública como um acúmulo de beleza e de experiência
adquiridas. “Liberdade. Para mim, é essa a palavra que descreve a
aceitação. Sempre me olhei no espelho e gostei do que vi. Para as
pessoas, como notavam os fios aparecendo aos poucos, creio que esse
processo também foi bem natural.”
As
mudanças nos valores e na moda, segundo Cristina, contribuíram muito
para que tudo fosse percebido de forma simples. Ao ser parada na rua
diversas vezes e questionada sobre o que havia feito nos cabelos, ela
apenas achava graça e recomendava que as pessoas deixassem de ter medo e
aceitassem algo que achavam bonito. “Muita gente que me conhece acabou
me seguindo. Hoje, vejo que várias amigas também estão se desprendendo
da tinta. Acho isso incrível. Quero que todos se encontrem de alguma
forma e se sintam maravilhosamente bem, assim como eu”, diz. Ela garante
que, depois de passar por todo o processo, conta com a aceitação da
família e dos amigos.
Recomeçando do grisalho
O
ano de 2016 foi um tempo de crescimento não só para os cabelos, mas
também para a própria vida de Ana Flávia Coelho, 54 anos. Após passar
pelo tratamento de um segundo câncer, a empresária, que perdeu os fios
por conta da quimioterapia, teve a oportunidade de ressignificar a
moldura que, como ela define, cobre nossas cabeças. “Quando perdi os
cabelos, passei por um momento de muita meditação. Tentei usar peruca,
lenço, mas nada me deixava confortável. Não me sentia eu. Comecei a
aceitar minha careca como uma declaração pública de não estar nem aí
para o que os outros pensavam. Era como uma nudez madura”, conta. Quando
as primeiras pontinhas de cabelo começaram a aparecer, após alguns
meses, Ana se sentiu à vontade para entender o novo “presente” recebido
pelo corpo — os fios brancos.
Desde
os 14 anos, ela já tinha uma mecha alva entre os fios pretos. Com o
tempo, esses fios foram aumentando e, já em 2015, grande parte do cabelo
da empresária estava grisalho, mas escondido pelas tinturas.
“Acompanhar o nascimento desses branquinhos depois de eu ter ficado
careca foi como a continuidade de um processo de renovação e
crescimento. Decidi não pintar. Não pelos produtos químicos. Era uma
oportunidade de reeditar minha imagem no espelho”, justifica.
O
fato de, durante boa parte da vida, levar consigo a mecha branca,
acredita Ana Flávia, não altera o susto de ter que lidar com os cabelos
agora grisalhos. “Tive que reavaliar a figura que eu via no espelho e
passei por um processo de compreensão para aceitar essa nova fase pela
qual estou passando.”
Apesar
de arredios no início, Ana Flávia teve o apoio do marido e dos filhos
na escolha de deixar as tinturas de lado. “Acho que eles curtem porque
sabem que é algo que me faz bem. Não me sinto feia, não me sinto menos.
Pelo contrário. Gosto do que vejo. Meu cabelo não me mudou nem faz
nenhuma diferença em mim”, acredita. Essa nova marca, para ela, é uma
oportunidade de apenas ajustar o cabelo para que ele fique de acordo com
o espírito. “O grisalho aparece para nos mostrar que estamos longe de
sermos velhinhas só porque temos o cabelo branco. É uma nova forma de
enxergar a vida.”
O
mais novo desafio da empresária é lidar com a rebeldia dos fios. “Eu me
sinto como uma adolescente pegando o jeito para arrumá-los”, brinca. É
preciso hidratar, cuidar e prevenir o amarelamento. “Vejo muita gente
que se abandona só porque tem cabelos brancos. Isso não pode ser sinal
de desistência.”
Passando pela transformação
Abandonar
a tintura requer dedicação. Depois do preparo psicológico para abraçar
essa nova fase, um dos grandes desafios em assumir os cabelos grisalhos é
se segurar para não cobri-los, uma vez que o crescimento não é
homogêneo e ocorre aos poucos — normalmente, começa a partir das
laterais em direção ao centro e ao topo da cabeça. Para o hairstylist
especialista em cabelos grisalhos Gustavo Alves, aceitar os fios brancos
é valorizar a beleza de cada fase da vida e trazer a individualidade de
volta ao foco, sem se importar com certas opiniões. “É preciso entender
que os cabelos brancos são tão lindos e modernos quanto os coloridos”,
ressalta.
Não
é porque estão descoloridos que os fios merecem ser esquecidos. Por
serem muito claros e terem uma textura mais porosa, eles precisam de
cuidados específicos e tratamentos periódicos, que podem ser feitos
tanto em salões de beleza quanto em casa. Especialistas indicam o uso de
xampus sem conservantes químicos e condicionadores livres de petrolato.
As madeixas devem ser hidratadas semanalmente ou a cada 20 dias — neste
caso, de forma mais profunda. “Como os fios brancos são mais ressecados
e têm menos elasticidade e brilho do que os mais jovens, para o dia a
dia sugerimos o uso de protetor solar para cabelo, que evita o aspecto
amarelado”, recomenda o hairstylist.
Quando
a aplicação de tinta é suspensa, algumas opções são apostar nos cortes
para diminuir a impressão de duas cores, utilizar acessórios, como
faixas ou lenços, ou optar pelo tom platinado. Assim, podem ser feitos
procedimentos em que a madeixa escura é transformada em branco perolado,
por meio de tintura específica. Depois que o branco fica homogêneo em
grande parte dos fios, um corte remove a química perolada e deixa o
cabelo todo natural.
O
cabeleireiro Renato Neves explica que, apesar de o cabelo grisalho ser
mais resistente, com um fio mais grosso e aparentemente rebelde, quando
tratado de forma adequada, não resseca ou desenvolve pontas duplas. “Os
cuidados são os mesmos que recomendaríamos para qualquer mudança grande
na cabeleira. Cada tipo de fio exige uma atenção diferente. É necessário
consultar um especialista para entender como cuidar de forma adequada.”
Se
não fosse pelos reflexos para disfarçar a diferença de tonalidade,
Maria de Oliveira, 61 anos, não teria passado de forma tão tranquila
pelo processo de transição para o grisalho. Quando começou a ter os
primeiros fios brancos, aos 50, a aposentada tratou logo de escondê-los.
Com o tempo, a rotina de cuidados foi ficando cada vez mais difícil:
era necessário retocar a raiz a cada 10 dias. Depois de várias
tentativas com novas formas de pentear as madeixas, e até mesmo o uso de
lápis que prometia esconder a raiz, ela optou por assumir a mudança do
visual. “Não foi fácil. Meu cabeleireiro recomendou que eu fizesse os
reflexos para que não ficasse com aquele sinal de desleixo. Acho que foi
isso que ajudou”, conta.
Na
família de Maria, o susto foi grande. “Muitos falam que eu fico
envelhecida e não aceitam. Apesar de não ter tanto apoio, eu me sinto
bem.” Agora, sem pintar o cabelo há seis meses, a aposentada gosta da
imagem que vê e afirma que seu único erro foi ter começado a aplicar as
tinturas há alguns anos. Mãe de três filhos e avó de três netos, a mais
nova grisalha garante que a aceitação é tudo. “Não adianta começar o
processo se não estamos preparadas. É preciso não sofrer com a própria
imagem”, diz.
Com
muito bom humor, a aposentada leva os cabelos brancos como uma
realidade feliz, que precisa ser encarada. Medo de envelhecer? De
maneira alguma. Para Maria, medo seria ficar presa aos padrões de beleza
cobrados quando se é diferente. “Costumo comparar os branquinhos com as
rugas: ou você assume ou fica se modificando o tempo todo. Acho que
isso nos causa tristeza. Precisamos aceitar o envelhecimento e ocupar
nosso tempo com coisas que nos deixam felizes.”
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